O termo remonta à república velha, mas o controle do voto por
determinados grupos políticos é fenômeno que sobrevive no século XXI. Mais
complexo, o curral ganha novos significados, mas se mantém crucial.
Os livros de história descrevem a República Velha brasileira
(1889-1930) como a era dos “currais eleitorais”, época na qual os coronéis,
proprietários de grandes fazendas, controlavam o voto de suas localidades por
meio da troca de favores, e utilizavam essa força como barganha junto aos
governos. O período entrou em declínio há mais de 80 anos, mas parece ter
deixado vestígios no século XXI. A existência de territórios onde o voto é
conduzido por grupos políticos específicos permanece firme no Ceará.
Com estruturas de organização bem mais sofisticadas, os novos
currais são mais difíceis de ser controlados e, devido à evolução da lei
eleitoral, funcionam no limiar entre a licitude e a irregularidade. “Sempre
chama a atenção como determinadas pessoas, sem nenhuma afinidade com a
população local, são eleitas, depois somem das suas bases, em seguida retornam
e, tradicionalmente, têm conseguido manter seus mandatos”, observou o chefe do
Ministério Público Eleitoral do Ceará (MPE), Rômulo Conrado.
O POVO perguntou a alguns
políticos como manter as zonas de influência e, ao mesmo tempo, evitar a perda
de territórios para os adversários. Segundo o deputado federal Raimundo Gomes
de Matos (PSDB), cuja base inclui 12 municípios, nas disputas proporcionais “vale
o trabalho realizado, a presença na cidade, a participação no dia a dia, a
empatia”.
Já o ex-prefeito de Maracanaú, Roberto Pessoa (PR), foi
direto: “O que define é o serviço prestado através das emendas ao Orçamento, ou
então jogo muito: dinheiro. Candidato proporcional que não tiver dinheiro...”,
entregou Pessoa, que também foi deputado federal.
É justamente no momento em que o dinheiro aparece para manter
os currais que o MPE acende o alerta. “A obra que o político leva para a cidade
é apenas uma das formas de deter as rédeas do local. Até aí, nada de anormal. O
problema é a deturpação do sistema. A gente tem visto na prática emenda que já
vem com a empresa que vai ser contratada definida, o que implica em fraude na
licitação, superfaturamento. E aí o dinheiro é distribuído entre o prefeito, o
empresário, a liderança, para manter os acordos”, relatou o promotor de Justiça
Igor Pinheiro, coordenador do Grupo Auxiliar da Procuradoria Regional Eleitoral
(Gapel).
Nos cinco municípios em que já atuou – Santana do Acaraú,
Paraipaba, Quixadá, Quixeramobim e Trairi –, Pinheiro disse ter identificado
“casos gritantes” de corrupção envolvendo candidatos e lideranças locais, que
atuam na ponta do processo arregimentando votos no atacado para os candidatos
apoiados.
“Uso de servidores públicos na campanha, convocação de
funcionários para comícios, veículos oficiais em carreatas, tudo isso são fatos
reais. Teve município em que, no dia da campanha, cheguei ao posto de gasolina
e tinha uma frota do candidato a deputado para ser abastecida. Quando a gente
apreendeu, vimos vales assinados pelo responsável do setor de combustíveis da
Prefeitura”, relatou.
De forma semelhante ao que ocorria durante a República Velha,
o eleitor também tira proveito da situação. “Como o cidadão se sente
desamparado ao longo do mandato, privado do acesso a qualquer bem, ele vê a
eleição como oportunidade de se beneficiar. O problema é que ao fazer isso, ele
compromete o Estado nos anos que seguem”, alertou o chefe do MPE.
SAIBA MAIS
Uma das formas de manter os currais são os acordos feitos
entre candidatos, prefeitos e vereadores. O mapa político começa a ser
desenhado dois anos ates da eleição estadual, nas disputas municipais. Os
parlamentares e governadores se dedicam à eleição dos prefeitos, que, por sua
vez, ficam em “dívida” com seus padrinhos.
Antes do ano eleitoral, os futuros candidatos trabalham na
manutenção das bases. Levam obras por meio de emendas, dedicam atenção a seus
cabos eleitorais. Nos meses que antecedem o pleito, a articulação se
intensifica. No final, o número de acordos firmados costuma ser crucial para a
decisão de lançar, ou não, uma candidatura.
Decidido a apoiar determinado candidato, o prefeito cai em
campo. Ele aciona os vereadores de sua base, que, por sua vez, acionam as
lideranças comunitárias, fechando uma rede de votos para o aliado. É crucial
que o prefeito tenha popularidade e seja bem avaliado pela população. Do
contrário, abre-se espaço para a oposição.
Fonte: O Povo.