Dezesseis pontos de Fortaleza têm a rotina marcada
pelo confronto de 16 grupos rivais. Outros 17, apresentam tensões em menor
escala. Conflitos de territorialidade que alteram o dia a dia das pessoas por
imposição do medo.
A pé, o supermercado
dista dez minutos de casa. Mas a senhora faz o trajeto de ônibus. Enfrenta
lotação e trânsito. Passa 40 minutos num coletivo. Dá uma volta enorme até
chegar ao local das compras. Repete o estorvo na volta, cheia de sacolas.
Exausta. Tudo para não atravessar a rua que divide o bairro. Morreria se
cruzasse “o lado de lá”. Não é envolvida com droga. Nem com nada criminoso.
Findaria pelo simples fato de viver no território onde um grupo disputa com
outro o domínio da Sapiranga.
Uma “lei” de morte tão
democrática quanto a própria morte. “Ou a pessoa dá essa volta toda ou se
arrisca. Como já morreu muito inocente, a mãe evita passar a pé. Mas eles (os
membros das gangues) também matam um o outro. Vez por outra, a gente ouve
falar”, diz a jovem. Ela é ex-moradora da Sapiranga. Saiu pela pressão da
incerteza de um futuro. Para si e para os filhos. E não é um caso isolado.
Os chamados conflitos
de territorialidade alteram fortemente a rotina de 16 bairros e comunidades de
Fortaleza. Impõem um universo paralelo que, até setembro de 2011, conforme
levantamento do O POVO, existia de forma tão incisiva em “apenas” sete pontos
da Capital. E que, hoje, afetam outras 17 populações em menor escala (ver mapas).
Os dados de 2014 foram
informados ao O POVO pela Delegacia Geral de Polícia Civil, que se recusa a
divulgar os nomes das gangues “para não dar mais publicidade aos integrantes”.
O aumento desses conflitos o diretor do Departamento de Polícia Especializada
(DPE), Rommel Kerth, atribui principalmente à capilarização do tráfico. “A
gente percebe que, às vezes, os membros nem se conhecem. Não existe animosidade
pessoal. Mas simplesmente pelo fato de um pertencer a determinado grupo já se
transfere o sentimento de rivalidade. Isso afeta a comunidade inteira. É uma
política de cisão. Como se fosse um apartheid. Mas não tenho dúvidas de que é
possível reverter”,
diz o
delegado.
Ele e outros
especialistas consultados pelo O POVO apontam a oferta de bons serviços
públicos como principal vetor para o fim dos conflitos. A lógica é a seguinte:
como o poder público não alcança essas populações com boas escolas, hospitais,
opções de esporte e lazer etc, os próprios moradores brigam pelo domínio do
lugar. “Enquanto os conflitos territoriais forem tratados apenas como questão
de polícia, teremos apenas um terceiro envolvido neles. Na verdade, acredito
que essas ações são pensadas de maneira equivocada e diria até preguiçosa. Todo
e qualquer equipamento público com o objetivo de promover ações qualificadas
para crianças e jovens é muito bem-vindo e tem um potencial enorme de gerar
coisas boas para toda comunidade”, acredita o pesquisador do Laboratório de
Estudos da Violência (LEV/UFC), Luiz Fábio Silva Paiva.
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Fonte: O Povo.