Os governos de São Paulo e
do Distrito Federal podem ter gastado até 30% a mais, ou R$ 577,5 milhões, em
cinco contratos suspeitos de serem alvo de cartel entre empresas nacionais e
estrangeiras do setor metroferroviário. A suposta fraude foi denunciada pela
alemã Siemens ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Documentos
obtidos pelo Estado mostram que, com o esquema, esses contratos chegaram a R$
1,925 bilhão (em valores atualizados).
O Estado procurou as empresas, mas só
nove das 20 se manifestaram. Em nota, a Siemens informou que, desde 2007, faz
esforços para aprimorar sua administração e coopera integralmente com as
investigações. Ao todo, 44 executivos - de presidentes a gerentes - de empresas
de 11 países foram acusados de participação nas tratativas mantidas para
impedir que a disputa dos contratos levasse à prática de preços menores do que
os oferecidos pelas empresas.
De acordo com documentos da Siemens a
que o Estado teve acesso, o grupo se considerava blindado por pelo menos um de
seus contratantes: a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). A
suspeita é de que agentes públicos tenham recebido propina das empresas para
fazer vista grossa ao cartel durante os governos dos tucanos Mário Covas
(1995-2001), Geraldo Alckmin (2001-2006) e José Serra (2007-2010).
Os papéis da Siemens mostram que um de
seus executivos manteve um diário no qual escreveu, em 8 de julho de 2002:
"Enquanto a Alstom mantiver seu preço acima do preço da Siemens, e a CPTM
bloquear qualquer ataque, a Siemens será vencedora." Trata-se de
referência direta à negociação para a divisão entre as empresas dos contratos
para a manutenção de trens S2000, S2100 e S3000.
Além deles, a lista de licitações
viciadas inclui o fornecimento de material para a Linha 2-Verde do Metrô no
trecho Ana Rosa-Ipiranga, para a Linha 5-Lilás no trecho Largo 13-Santo Amaro,
para a manutenção dos trens s2000, s2100 e s3000, para a manutenção de trens do
projeto Boa Viagem (CPTM, contrato de R$ 276 milhões) e para a manutenção de
trens do Distrito Federal. Em um sexto caso - a manutenção de trens dos
projetos 320 e 64 da CPTM -, a ação do cartel só não deu certo porque a
espanhola CAF, uma das acusadas, não chegou a um acordo, ganhando as licitações
com preço menor.
Funcionários. A ação do cartel ainda se estendeu aos
contratos da Linha 4-Amarela do Metrô. O acerto entre as empresas começou
depois de a Siemens conseguir contratar dois funcionários da multinacional
francesa Alstom.
Segundo documento da
Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade),
do Ministério da Justiça, os dois funcionários "possuíam formação técnica
relacionada a serviços de manutenção de trem e metrô e, à época da licitação,
trabalhavam na manutenção do Metrô DF, serviço que era prestado pela Alstom,
IESA E TCBR". Como o edital exigia "que o licitante vencedor
apresentasse qualificações", que eram detidas pelos dois funcionários, a
Alstom teve de entrar em acordo com a Siemens. Em troca, a empresa alemã seria
subcontratada nos trechos 1 e 2 da Linha 4.
O acordo entre as empresas previu que
dois consórcios disputassem o contrato. Deveriam oferecer preços entre 94,5% e
95% do valor previsto pelo governo do Distrito Federal. Quem vencesse
subcontrataria o perdedor em até 48% do contrato, que ficou na época em R$ 77,3
milhões (R$ 103,4 milhões atuais).
Acertos. Além de e-mails e do diário do
executivo da Siemens, o Cade, os procuradores da República e os promotores do
Ministério Público Estadual têm em mãos os depoimentos de seis executivos da
empresa alemã, que confessaram a prática de cartel de 1998 a 2008.
O primeiro contrato dividido entre as
empresas foi o da Linha 5-Lilás, contratado pela CPTM. O acerto entre elas foi
feito em reuniões no escritório da Mitsui e da TTrans, em São Paulo. Entre os
dias 1.º e 6 de junho de 2000, formou-se o consórcio Sistrem. Ele reunia todas
as empresas que haviam sido pré-qualificadas pela CPTM para fornecer o material
ferroviário ao governo. As empresas decidiram quais os preços que cada uma
apresentaria.
Assim também foi feito na primeira
licitação de manutenção de trens: os vencedores foram o consórcio Cobraman
(Alstom, a canadense Bombardier e a CAF), que obteve o contrato para os trens
S2000; a Siemens (trens s3000); e o consórcio Consmac (s2100), formado por
Alstom e CAF, que subcontratou a Bombardier, a japonesa Mitsui e a chilena
Temoinsa.
Fonte: Estadão.