Brasil 247 - Não foi por explosão espontânea que os médicos cearenses
chamaram seus colegas cubanos de "escravos, escravos!"; o ódio, a
violência e o preconceito demonstrados na noite da segunda-feira 26 foram
atitudes disseminadas, a partir do conforto das redações da mídia tradicional,
por três colunistas: Reinaldo Azedo, Eliane Cantanhêde e Augusto Nunes; assim
como não existiria o nazismo sem o Mein Kampf, de Hitler, o corredor polonês de
Fortaleza não ocorreria sem os jornalistas que gravaram no imaginário dos
médicos o rebaixamento completo dos cubanos.
O que move o mundo são as
ideias. Para frente ou para trás. A instalação do nazismo, na Alemanha dos anos
1930, foi precedida pela publicação do ideário de Adolf Hitler, o livro Mein
Kempf. Na China comunista, Mao Tsé-Tung tinha o seu Livro Vermelho, de leitura
obrigatória nas escolas. De ambos nasceram ideologias totalitárias, cegas aos
direitos humanos, avessas à diversidade, pregadoras da violência.
Hoje, no Brasil, o conjunto dos
ideais disseminados por alguns dos mais conhecidos colunistas da mídia
tradicional aponta para um caminho análogo, sem volta, de interdição do debate,
aviltamento do adversário, exclusão do diferente. Corteja o totalitarismo já
superado pela sociedade brasileira.
"Escravos, escravos!". A palavra de ordem dos médicos
cearenses contra seus colegas cubanos, que se preparavam para receber as
primeiras noções sobre que Brasil é esse que eles vieram apoiar, não foi
gritada por acaso. Essa figura foi gravada no imaginário coletivo dos médicos
cearenses – e pode estar se multiplicando em outras regiões brasileiras – por
três, em particular, colunistas adulados na mídia tradicional.
Do conforto de suas redações, Reinaldo Azevedo, primeiro,
classificou em Veja os médicos cubanos, cujo trabalho é elogiado em todo o
mundo no qual eles atuam em programas do tipo Mais Médicos, da Finlândia à
África, de "escravos". Na Folha, a decana Eliane Cantanhêde disse que
os profissionais viajariam em "aviões negreiros". Augusto Nunes, para
não ficar atrás, escreveu em seu blog que o ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, se tornou uma "princesa Isabel às avessas". Todos, sem
exceção, com a mesma imagem de degradação do ser humano.
Não ocorreu à trinca de
colunistas circunscrever suas diatribes ao irmãos Castro, Fidel e Raúl, ou a
Karl Marx e Frederic Engels, os grande teóricos do comunismo. Não. Eles pularam
na jugular de cada um e de todos os médicos cubanos que atenderam, sob
supervisão da Organização Panamericana de Saúde, ao chamamento oficial do
governo brasileiro.
Na leitura de Azevedo, Eliane e Nunes, depreende-se que eles são
"escravos" porque merecem. Vivem em Cuba porque são covardes para
enfrentar a sua ditadura. Isso de um lado. Noutra hipótese, felizes, percorrem
o mundo para agirem como arautos do socialismo, espiões à luz do dia,
propagandistas de uma ideologia ultrapassada. Nenhuma linha sobre o trabalho que
os médicos cubanos desempenharam no Haiti pós terremoto que devastou o país em
2010, classificado de "maravilhoso" por seus colegas de primeiro
mundo (finlandeses). Nada sobre a ação pacificadora na África, na década de
1970. Nenhuma referência ao mundialmente exemplar programa de medicina da
família executado dentro da própria Cuba, que por este tipo de expediente tem
um Índice de Desenvolvimento Humano maior que o do Brasil. Zero.
Igualmente, os três colunistas
não comentaram sobre os médicos de outros países – Espanha, Portugal,
Argentina, Itália – que igualmente aceitaram a proposta do governo brasileiro para
preencher vagas que os médicos brasileiros recusaram – com salários de R$ 10
mil por mês. Afinal, por que entrar em questões mais complexas para análise, se
o mais importante é se divertir pela humilhação aos cubanos?
Sabe-se que, por este tipo de
posicionamento rasteiro, a mídia tradicional está se afogando pela soma de
dívidas demais e leitores de menos. Mas guarda-se ainda, é claro, um tipo de
influência muito útil os momentos mais intensos de polaridade ideológica.
Nessas horas, diante de programas como o Mais Médicos, que, efetivamente, podem
mudar para melhor o padrão de atendimento de saúde nos rincões do País. Os
mesmos rincões que não recebem médicos desde seu desbravamento.
Os três colunistas poderiam usar seus espaços para discutir,
porque, afinal, a chamada classe médica jamais, em tempo algum, como um todo,
voltou seus esforços para o Brasil real. A orientação da medicina brasileira é
cobrar, e caro, pelo menor atendimento. Os médicos querem os grandes hospitais,
jamais os pequenos pronto-socorros. Podia-se alegar, até aqui, que faltava
incentivo para o avanço pelas artérias do País, mas agora não há mais. A
remuneração oferecida pelo governo superou todas as expectativas.
O programa Mais Médicos, por
outro lado, nada mais é que uma cópia escarrada do que já existe em diferentes
partes do mundo, notadamente nos países mais avançados, como Inglaterra e
Alemanha. Lá como cá foi preciso importar profissionais para superar carências.
O que fazer, então, para dizer que o Mais Médicos não presta?
Ocorreu aos três colunistas
chamarem os cubanos – esquecendo-se de todos os outros – de escravos. Uma
distorção não apenas da situação que eles vivem em Cuba, mas uma covardia
contra cada um e todos os integrantes do grupo recém-chegado. A opção foi criar
um clima hostil, de guerra, de oposição total e completa à presença deles aqui.
Viraram a mira de seus canhões para os mais fracos e indefesos.
Após chamar os profissionais de escravos, restará aos colunistas
continuar o linchamento moral sobre eles. Poderiam, como Gandhi ou Luther King,
atuarem pela conciliação entre o homens, mas se inspiraram em Hitler e Mao para
disseminar o ódio. O resultado foi visto no Ceará.
Fonte:
Brasil
247.