deveria ser essa a pergunta: BARÕES DA MÍDIA E
EDITORES DEVERIAM VOTAR?
247 - É a indagação do jornalista Paulo Nogueira, do Diário do
Centro do Mundo, diante da questão levantada pelo "plebiscito de
Veja", sobre se beneficiários do Bolsa-Família deveriam ser permitidos a
votar; segundo ele, o Bolsa-Mídia, ao longo dos últimos anos, é bem maior do
que inúmeros programas sociais e ele menciona o financiamento de R$ 200
milhões, no governo FHC, para que a Globo construísse seu parque gráfico que
acabou virando um elefante branco; hoje, no Valor Econômico, Renato Janine
Ribeiro também abordou o tema, indagando "Quem tem medo dos pobres?"
A
proposta de plebiscito feita pela revista Veja, no último fim de semana, que
sugere que beneficiários do Bolsa-Família sejam impedidos de votar, como
levantou o 247 (leia maisaqui), continua dando
o que falar. Nesta segunda, no Valor Econômico, o filósofo Renato Janine
Ribeiro indagou "Quem tem medo dos pobres?",
numa resposta clara a esse movimento, ainda incipiente entre as elites
brasileiras, para que beneficiários de transferências de renda tenham seus
direitos políticos cassados.
Nesta
segunda, o jornalista Paulo Nogueira, ex-diretor da Globo e responsável pelo Diário do Centro do Mundo, aborda outro
aspecto da questão. Como o Bolsa-Mídia, ao longo dos últimos anos, tem sido bem
maior do que os programas sociais, será que donos de veículos de comunicação,
editores e repórteres não deveriam ser impedidos de votar? Abaixo, a análise de
Nogueira:
Quem
recebe Bolsa Família deve votar?
PAULO NOGUEIRA, do Diário do Centro do Mundo
Há uma
cena que conta muito do Brasil nas memórias que o jornalista Carlos Castelo
Branco, o Castelinho, escreveu sobre o curto período em que foi assessor do
presidente Jânio Quadros, no começo da década de 1960.
Jânio
vinha sendo duramente criticado pela imprensa, o Estadão à frente. (Não este
jornal enfermiço de hoje, mas o Estadão poderoso de sessenta anos atrás.)
Jânio
programou uma fala em cadeia nacional.
Castelinho
foi checar a sala em que ele falaria, e encontrou uma edição dominical do
Estadão, repleta de cadernos. “Favor não mexer”, dizia um bilhete escrito por
Jânio.
Na fala,
Jânio brandiu o jornal e disse que tudo ali era pago pelo contribuinte.
As
empresas jornalísticas não pagavam imposto pelo papel, gozavam de empréstimos a
juros maternos e se ficavam inadimplentes perante o Banco do Brasil quitavam
com anúncios.
Bem, para
encurtar, Jânio passou e as mamatas permaneceram. Na verdade, aumentaram: as
empresas de mídia conseguiram posteriormente aprovar – e manter até hoje – uma
esdrúxula reserva de mercado que veda a concorrência estrangeira.
Num
artigo antológico que escreveu para o Globo em defesa da reserva, o atual
ministro do STF Luís Roberto Barroso, disse que bloquear a competição externa
era importante para evitar pregações perigosas como as de Mao Tsetung e para
preservar preciosidades culturais brasileiras como as novelas. (Barroso
escreveu esse bestialógico quando era advogado da associação que faz o lobby da
Globo, uma amizade que foi vital para que os colunistas da emissora apoiassem
sua indicação para o STF.)
Tudo isso
me veio à mente quando soube que a Veja fizera uma lista de coisas que deveriam
ser submetidas a plebiscito. Uma das questões era a seguinte: pessoas que
recebem ajuda do governo deveriam ser impedidas de votar por causa de um
conflito de interesses?
Claro que
a revista se referia à Bolsa Família.
Mas
sigamos no mesmo caminho. O que fazer, então, com as empresas de mídia, ao
longo de décadas vergonhosamente amparadas pelo dinheiro público, como
denunciou Jânio sem conseguir mexer em nada?
Os
acionistas não poderiam votar, por essa lógica. Nem os editores. Talvez aos
repórteres também devesse se estender a proibição.
Dinheiro
que deveria construir escolas e hospitais acabou sendo torrados em empresas
jornalísticas ao longo dos tempos.
Sob FHC,
a Globo conseguiu um financiamento governamental de 200 milhões de dólares em
dinheiro da época para construir uma supergráfica que virou um patético
elefante branco.
A ideia
era que se pudesse rodar o Globo com uma tiragem de 1 milhão de exemplares.
Logo veio a internet e o Globo jamais chegou remotamente perto do milhão.
O que foi
um investimento horroroso acabou não afetando a empresa porque o dinheiro do
financiamento era público.
Uma foto
de FHC com Roberto Marinho na inauguração da gráfica é o retrato de um país
cuja administração foi sequestrada pela mídia.
O
favorecimento foi torrencial em todas as áreas.
Na
publicidade, por exemplo. Nos anos 1980, todos os anunciantes já não pagavam o
preço de tabela da publicidade na mídia. Os descontos passaram a ser enormes.
Só o governo continuava a pagar o preço cheio.
Por tudo
isso, só pode ser uma piada a proposta da Veja.
Porque se
for para levar a sério as companhias de mídia – bafejadas com dinheiro
equivalente a múltiplas Bolsas Famílias – deveriam estar impedidas de votar
desde sempre.
Fonte: Brasil 247.