O governo colocou sob sigilo todas as
informações relativas às viagens que a presidente Dilma Rousseff ou seu vice,
Michel Temer, já fizeram ou vierem a fazer ao exterior. Os dados só poderão ser
divulgados depois que ela deixar o Palácio do Planalto, em 31 de dezembro de
2014. Ou, se reeleita, de 2018.
A decisão
ocorre num momento em que o governo está sendo questionado sobre o tamanho das
comitivas presidenciais – e dos gastos – no exterior. Além disso, ela impedirá
que esses dados venham à luz durante a campanha eleitoral de 2014.
Extratos de
uma comunicação classificada do Itamaraty, a que o iG teve acesso, determina a
reclassificação de todos os expedientes e documentos relacionados às visitas ao
exterior de Dilma ou do vice, feitas desde que ela tomou posse, em 1º de
janeiro de 2011. A regra se aplica também às viagens que forem feitas
"futuramente".
No mínimo,
esses materiais deverão receber o carimbo de “reservados”, categoria que prevê
sigilo de cinco anos desde a sua produção. Mas podem ser reclassificados como
secretos, o que os deixará 15 anos na sombra, ou como ultrassecretos – 25 anos.
Quando Dilma
deixar o poder, o sigilo poderá será levantado, segundo o documento. A
justificativa legal para classificar os documentos será a da segurança. A Lei
de Acesso à Informação (12.527/2011), a LAI, permite colocar sob sigilo, até
que o presidente da República e o vice deixem os cargos, dados que possam
pô-los em risco. A proteção se aplica aos cônjuges e filhos de ambos.
‘Estrito cumprimento da lei’
O Itamaraty
não confirmou o exato teor do documento. Segundo a assessoria de imprensa do
órgão, “as medidas de reclassificação são feitas em estrito cumprimento à Lei
de Acesso à Informação".
Procurada na
tarde desta quinta-feira (30), a chancelaria não disponibilizou um porta-voz
para explicar de onde partiu a ordem e por que ela foi emitida no atual
momento.
Dilma foi a
presidente que sancionou LAI em 2011. Em 3 de julho de 2012, ressaltou que o
texto determina "que o acesso agora é a regra e o sigilo passou a ser a
exceção.”
Na prática,
entretanto, a comunicação tornou regra que qualquer informação sobre viagens da
presidente ao exterior ficará de fora do alcance da LAI até o fim da era Dilma.
‘Totalmente dezarrazoado’
A ordem de
reclassificar os documentos foi distribuída a funcionários do Itamaraty no
Brasil e a toda a rede consular do País no exterior nos últimos dias, segundo
duas fontes da pasta ouvidas pela reportagem. Outras duas fontes, da mesma
pasta, confirmaram a existência do documento e o seu teor, mas não o texto
exato. Todas pediram anonimato.
“Definir de
forma indiscriminada [o sigilo de informações sobre viagens presidenciais] para
frente e desde o início do mandato é algo inédito nos anais do governo
brasileiro”, diz uma das fontes. “Normalmente, algumas coisas [das viagens
presidenciais] já são tratadas de forma confidencial, mas as coisas
corriqueiras não precisam ser feitas de forma secreta.”
Segundo
outra fonte, a comunicação deixa bem claro que, embora o sigilo tenha sido
determinado para qualquer informação, há preocupação singular com os gastos. O
texto fala em “faturas” e “boletos”.
De acordo com essa fonte, em
teste a determinação de sigilo se aplica a qualquer informação relativa à
viagem. Mas quando se fala em faturas, está claro que há uma referência
específica às despesas, avalia ela. “É totalmente desarrazoado, pois a pessoa
já voltou para o Brasil está sã e salva.”
Para essa
fonte, o sigilo se aplicará também aos gastos de todos os membros das
comitivas, e não só da presidente. Em março, a BBC revelou que Dilma gastou R$
11,6 milhões em 35 viagens feitas entre 2011 e 2012. Desses, R$ 433 mil foram
dispendidos em escalas feitas em países nos quais a presidente não tinha nenhum
compromisso oficial. Os dados foram obtidos por meio da LAI.
No mesmo
mês, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), fez um requerimento via mesa do Senado
para que o governo detalhasse os gastos realizados durante a viagem de Dilma a
Roma para a missa inaugural do Papa Francisco. A visita custou ao menos R$ 324
mil. À reportagem, o parlamantar disse ainda não ter recebido resposta.
O iG solicitou no dia 28 de maio
informações sobre os gastos da presidente à Etiópia. A LAI prevê que a
informação seja divulgada imediatamente, se estiver disponível, ou num prazo
máximo de 30 dias. Os dados não foram repassados até a conclusão desta
reportagem.
Fonte:
Correio do Estado.