Sete
entre cada dez brasileiros que ganham menos de R$ 1 mil por mês bebem de forma
abusiva. O consumo, que já era bastante expressivo, aumentou muito nessa
parcela da população nos últimos seis anos, segundo o Levantamento Nacional de
Álcool, feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“O fenômeno neutraliza benefícios da
melhoria de renda e ajuda a perpetuar o ciclo de baixa qualidade de vida”,
avalia o coordenador do trabalho, Ronaldo Laranjeira, da Unifesp.
O levantamento mostra que, quanto
menor a renda, maior o consumo excessivo de álcool. Na classe E, 71% bebem de
forma exagerada; na C o índice é de 60%, na B de 56% e na A de 45%. A lógica se
repete quando se analisa o crescimento do consumo excessivo entre os diferentes
grupos sociais. Quanto menor a renda, maior o aumento no período avaliado, de
20006 a 2012.
O estudo foi feito com base em dados
de 4.607 pessoas com mais de 14 anos, coletados em 149 municípios.
Para homens, é considerado beber de
forma abusiva o consumo de ao menos cinco doses de bebida em um período de duas
horas. Entre mulheres, a relação é de quatro doses em duas horas. Uma dose
equivale a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de pinga.
Segundo Renato Meirelles,
sócio-diretor do Instituto Data Popular, especializado em pesquisas de consumo
nas classes C e D, a melhora do padrão de vida promove a diversificação de
compras de produtos industrializados. E, assim, o álcool vem ganhando
espaço.
O Data Popular observou dois
movimentos que evidenciam a melhoria da renda, que se destacam no Nordeste:
“Quem começa a ganhar mais dinheiro na classe C passa a comprar destilados como
uísque e vodka, enquanto as classes D e E mudam da pinga para a cerveja”.
Meirelles relata as razões para o
consumo ter se modificado. “Antes, a bebida era vinculada ao ‘esquecer da
vida’; o consumo de álcool principalmente nas classes C e D era atrelado a uma
espécie de fuga. O que a gente começa a encontrar hoje é o álcool associado aos
momentos de lazer, entretenimento e celebração.”
Saúde pública. Para Laranjeira, o
fenômeno trará problemas a curto e médio prazo. “Não tenho dúvida de que,
dentro de alguns anos, esse aumento poderá ser visto nas contas públicas.” Ele
observa que as classes menos privilegiadas dependem essencialmente de serviços
públicos de saúde. “O consumo excessivo de bebidas alcoólicas aumenta o risco
de câncer e outras doenças. Isso acabará no SUS.”
L., de 61 anos, é um exemplo de quem
teve de recorrer à rede pública. Em tratamento há dois anos e meio, ele conta
que passou a beber quando era adolescente, mas foi aos 50 anos que percebeu que
a situação estava fora de controle. “Começava às 8 horas e continuava ao longo
do dia.”
L. faz artesanato em madeira com a
mulher, mas a renda dos dois não chega a dois salários mínimos. “A falta de
perspectivas financeiras piora a situação. Problemas com dinheiro me estimulam
a beber”, diz.
Para o médico Vilmar Ezequiel dos
Santos, gerente do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Santana, é preciso
compreender o consumo do álcool em cada uma das classes sociais. “A forma de
consumir, o valor que se dá ao consumo e o desfecho do problema em cada uma das
camadas da sociedade são diversos.” Embora tenha havido mudanças, Santos
destaca que nas classes D e E o álcool é socialmente mais aceitável.
De acordo com o Ministério da Saúde,
o Brasil tem 329 Caps, com capacidade para realizar 7,8 milhões de atendimentos
ao ano. De 2011 para 2012, os procedimentos aumentaram 25,8%.
Laranjeira diz que os resultados do
estudo evidenciam o quanto as pessoas mais pobres sofrem com a ausência de uma
estratégia efetiva do governo para a prevenção do abuso de álcool. “Essa
política é acovardada”, constata. “A única mensagem que ouvimos é a de não
associar direção e bebida. Todos, incluindo o Ministério da Saúde, ficam cheios
de dedos para colocar em prática ações mais agressivas.”
Fonte: Estadão.