O Ceará tem mais de
85% do território situado no semiárido. E a Fundação Cearense de Meteorologia e
Recursos Hídricos (Funceme) destaca: 49 municípios cearenses já mostram
cicatrizes da degradação ambiental
A desertificação já deixa marcas em 49 dos 184 municípios do Ceará,
alerta a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). “Eles
estão, de alguma forma, afetados (pela degradação ambiental). Já apresentam
sinais de desertificação”, informa Sônia Barreto Perdigão, engenheira agrônoma
da Funceme.
Os municípios estão nos limites do semiárido e, por natureza, são alvo
fácil da desertificação. A razão entre a quantidade de chuva anual e a perda de
água do solo e das plantas – a evapotranspiração, em termos técnicos – diz o
diagnóstico, norteia a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação
(UNCCD). Se essa razão estiver entre 0,05 e 0,65, considera o Instituto
Nacional do Semiárido (Insa, braço do Ministério da Ciência e Tecnologia), há
ocorrência de desertificação. Literalmente, tem-se um “sol de rachar” e um chão
de pedras ao invés de milho e feijão. O sertão fica em tons de cinza, e a vida
se inverte em sobrevivências.
“Essas regiões se caracterizam por apresentar uma baixa precipitação
anual, alta evapotranspiração, concentração de grandes contingentes
populacionais e bolsões de pobreza”, retrata o engenheiro agrônomo Aldrin
Martin Pérez-Marin, assessor técnico do Insa. “Aplicando-se a definição de
desertificação adotada pela UNCCD ao Ceará, pode-se concluir que mais de 85% do
território do Estado apresenta áreas susceptíveis a desertificação”, mapeia.
O uso exaustivo e de forma inadequada do solo pela agricultura e
pecuária, concordam especialistas, dá corda ao problema. A região é considerada
deserto “se estiver degradada, em processo de erosão ou de afloramento de
rochas”, completa Sônia Perdigão, da Funceme.
“O primeiro passo para começar o processo de desertificação é o
desmatamento, o desaparecimento da vegetação. Associado à monocultura, ao
pastoreio e a queimadas. O solo descoberto fica susceptível a chuva, vento,
sol. E vai se erodindo, perdendo a vida”, explica Paulo Pedro de Carvalho,
coordenador da organização não governamental Caatinga.
Os pesquisadores são cautelosos em afirmar a extensão do sertão cearense
que já virou deserto. “Tem uma área em nível mais generalizado. Não podemos
dizer com mais precisão o percentual de área degradada”, contrapõe Sônia
Perdigão. “Já temos áreas desertificadas. É um termo que temos que ter muito
cuidado para não exagerar e mesclar áreas que estão em processo”, pondera
Vládia Pinto Vidal de Oliveira, professora do Departamento de Geografia da
Universidade Federal do Ceará (UFC).
“No Brasil, as áreas susceptíveis a desertificação compreendem 1.340.863
quilômetros quadrados, incluindo 1.488 municípios, em nove estados da região
semiárida do Nordeste, do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo, onde o
grau de conhecimento destes processos degradativos e sua extensão são ainda
deficitários e necessitam de constantes atualizações”, dialoga Aldrin Martin,
do Insa.
No Ceará, existem três grandes núcleos que se encontram nos estudos e
nas preocupações da Funceme, da UFC e do Insa. Para Aldrin Martin, são “bem
representativos do fenômeno da desertificação, passíveis de serem estudados
como áreas-piloto e que se constituem no efeito máximo do processo”: sertão de
Irauçuba e Centro Norte; região dos Inhamuns; e Médio Jaguaribe. “Destacando-se
os municípios de Santa Quitéria, Itapajé e Canindé; Arneiroz, Independência e
Tauá; Jaguaribe, Jaguaribara, Alto Santo e Morada Nova”, sublinha Vládia Vidal,
professora da UFC.
ENTENDA
A NOTÍCIA
Desertificação é a “degradação da terra, nas zonas áridas, semiáridas e
sub-úmidas secas, em resultado da influência de vários fatores, incluindo as
variações climáticas e as atividades humanas”. O conceito é da Convenção das
Nações Unidas de Combate à Desertificação (www.unccd.int).
Saiba
mais
O Ceará possui 80% do território sobre rocha cristalina, com camada de
solo raso e poucos recursos hídricos subterrâneos.
Todos os rios do Estado são intermitentes, ou seja, têm o curso
interrompido de espaço em espaço.
O regime de chuvas é irregular, com média anual de precipitações de 700
milímetros e evaporação superior a 2 mil milímetros.
FONTE: documento do
Prodham (Projeto de Desenvolvimento Hidro-Ambiental), elaborado pelo engenheiro
agronômo Ricardo Lima e apresentado na Icid+18 (Segunda Conferência
Internacional: Clima Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas),
em 2010.
Leia
amanhã
Os números e as pesquisas da desertificação no Ceará convertidos em
gente e projetos no distrito de Iguaçu, confins de Canindé. Reflorestamento,
barragens subterrâneas, cordões de nível e educação ambiental tentam remediar a
morte da paisagem. Especialistas apontam até onde é possível recuperar o que
foi degradado e reverter o processo de desertificação.
148.920,538
quilômetros quadrados é a área total do Ceará
19.741,759
quilômetros quadrados é a área livre do risco de
desertificação
4.704.705
pessoas residem no espaço
geográfico semiárido do Ceará
Fonte: O povo