"Anistia
do jeito que nós queremos não vai sair". O anúncio do vereador Sargento
Reginauro (Pros), por volta das 20h de ontem, ao grupo de policiais que estava
amotinado há 13 dias no 18° Batalhão da Polícia Militar,
no bairro Antônio Bezerra, foi o primeiro sinal de que o acordo estava próximo.
Pelo voto dos que estavam presentes no local, a maioria
dos manifestantes decidiu voltar ao trabalho, hoje, sem conquistar a
principal demanda que foi exigida do grupo nos últimos dias: a anistia
geral.
O
Governo do Estado, porém, se comprometeu a rever casos de forma individual e
tratar cada um deles conforme as garantias constitucionais. Foi decidido também
que haverá uma Comissão Externa constituída pela Ordem dos
Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Defensoria
Pública, Ministério Público Estadual e Federal para
acompanhar a tramitação do acordo.
Os
termos acertados para o fim do motim serão assinados pelos representantes da
comissão dos três poderes que mediou o diálogo entre o Governo e a categoria,
observadores externos e representantes dos policiais às 9h de hoje, na sede do
Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
Erinaldo
Dantas, presidente da OAB-CE, disse que "essa comissão independente vai
atuar nos processos que já foram instaurados e nos que vão ser abertos para
garantir a isenção e o devido processo legal. A garantia nossa, fechada no
acordo com todas as partes, é de que não haverá perseguição".
Foi
acordado ainda o reestudo da tabela salarial sem alteração dos valores já
anunciados pelo Governo; e o Ministério Público Estadual também pedirá à
Justiça Estadual a suspensão por 90 dias de uma Ação Civil pública contra as
associações representantes dos militares para discutir ajustamento de termo de
conduta.
Um
dos porta-vozes do anúncio da proposta, o vereador Sargento Reginauro pediu que
à tropa confiasse nas instituições mediadoras da negociação. O argumento
apresentado aos policiais foi que as instituições garantiriam que o acordo
fosse cumprido à risca. "A diferença grande nesse momento para aquele
(primeiro acordo) está na presença desses atores".
Minutos
antes da votação, a Defensora Geral do Estado, Elizabeth Chagas, falou aos
amotinados que não havia mais margem para a negociação e defendeu que era o
momento de encerrar o movimento. "De tudo o que eu vi hoje, digo a vocês
que é o máximo que a gente consegue extrair. Rogo a vocês que aceitem essa
proposta. É pensando em cada um de vocês e na Segurança Pública do Estado do
Ceará", declarou.
Proposta
O
episódio que marcou o encerramento da paralisação de quase duas semanas foi
movimentado, com discussões entre os servidores e críticas por parte dos
líderes da paralisação. Familiares dos policiais incitavam a manutenção do
protesto durante o ato.
O acordo só ocorreu após quase um dia
inteiro de negociações e reunião da comissão dos três poderes estaduais.
Reunidos no anexo da Assembleia Legislativa, integrantes da OAB-CE, Defensoria
Pública, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Exército,
Força Nacional, Poder Legislativo e Poder Executivo construíram uma proposta
para levar ao Batalhão.
"Desse
diálogo, tivemos um produto que está sendo encaminhado para o 18° Batalhão e
vamos ficar aguardando o posicionamento para que nós possamos, definitivamente,
ter uma resolução desse movimento", declarou em coletiva ao fim da reunião
o deputado estadual Evandro Leitão (PDT). Também
estiveram na mesa de negociação o deputado estadual Soldado Noelio,
o vereador Sargento Reginauro e Cabo
Monteiro.
Repercussão
Nas
redes sociais, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio
Moro, comemorou o fim do motim. "Recebo com satisfação a notícia
sobre o fim da greve dos policiais no Ceará. O Governo Federal esteve presente,
desde o início, e fez tudo o que era possível dentro dos limites legais e do
respeito à autonomia do Estado. Prevaleceu o bom senso, sem radicalismos",
disse. Usando a palavra "greve", o secretário de Segurança Pública do
Ceará, André Costa, também comemorou o encerramento da
paralisação. "Vitória do povo cearense! Fim da greve da PMCE!",
escreveu em uma rede social.
Números da
paralisação
A
paralisação dos policiais militares resultou num salto vertiginoso no Ceará dos Crimes
Violentos Letais Intencionais (CVLIs), que englobam homicídios
dolosos, feminicídios, latrocínios e lesões
corporais seguidas de morte. Conforme dados não consolidados da
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), até o
dia 27 deste mês, foram registrados 405
assassinatos no Ceará. É o maior índice em oito anos e o número também
cresceu 174% em relação ao registrado em fevereiro do ano passado, quando houve
164 homicídios.
O
motim dos PMs começou na noite do dia 18 de fevereiro. Entre o dia 19 e a
última quinta-feira (27), foram registrados 239 homicídios. Em média, foram
mais de 26 casos por dia; ou um assassinato a cada 54 minutos e 20 segundos. A Força
Nacional de Segurança e o Exército
Brasileiro foram convocados para atuar durante a
paralisação, mas os índices de violência não recrudesceram.
Além
dos homicídios, os relatos de roubo também se avolumaram nos dias de
paralisação. Ocorrências de grupos armados praticando assaltos em série se
espalharam pelas redes sociais. Um dos episódios de violência que chamaram a
atenção do Brasil foi o atentado
contra o senador licenciado Cid Gomes, no
Batalhão da PM de Sobral. No dia 19, Cid tentou entrar, com uma
retroescavadeira, no quartel ocupado por policiais.
Durante
a ação do parlamentar, tiros foram disparados contra ele e o atingiram no peito
e na clavícula. Cid foi levado para um hospital de Sobral, transferido para
Fortaleza no dia seguinte e já teve alta médica. Desde o início do motim, 47
policiais militares foram presos, sendo 43 deles por deserção ao não
comparecerem para atuar na Operação Carnaval; três por participarem do motim
secando pneus de viaturas; e um outro por incendiar um carro particular no
Município do Crato.
Na
última quinta (27), em audiência de custódia, a Vara da Auditoria Militar
converteu as prisões
de 43 PMs em preventivas. Os militares permaneciam presos até ontem.
Outra medida adotada pelo Governo foi o afastamento
de 230 militares das funções por motim, insubordinação e abandono de
posto de trabalho. Os pagamentos dos salários foram suspensos por 90 dias. Além
disso, o envolvidos devem devolver o distintivo, a identidade funcional, a
algema e a arma.
Principais pontos
da proposta aceita:
- Na apuração
administrativa da responsabilidade disciplinar do militar envolvido em atos
ilícitos e infracionais cometidos durante o período de 1º de setembro de 2019 a
1º de março de 2020, será garantido a todos um devido e justo processo.
-
Na tramitação dos processos disciplinares, será assegurada, atuando junto à
Controladoria Geral de Disciplina (CGD), a participação de comissão externa,
integrada por representantes da OAB, Defensoria Pública, Ministério Público do
Ceará e Ministério Público Federal, com o fim de assegurar a observação do
devido processo legal.
- Não haverá transferências, durante
seis meses, contados a partir do acordo.
- Pedido de suspensão de 90 dias de Ação
Civil Pública contra associações militares para discussão de termo de
ajustamento de conduta.
-
Criação de uma Comissão Paritária Permanente, formada por representantes do
Poder Executivo, Poder Legislativo, MPE, MPF, Defensoria Pública e OAB, a fim
de analisar e encaminhar soluções às demais reivindicações.
-
Todos os policiais militares deverão se apresentar prontos para o serviço às 8h
de hoje nos respectivos Batalhões em que estão lotados.
-
Haverá, no curso do processo legislativo, o reestudo e a efetiva rediscussão da
tabela salarial enviada por mensagem do Poder Executivo à Assembleia
Legislativa, respeitados os limites orçamentários ali previstos.
Diario do Nordeste