Sem
consenso com os policiais militares (PMs) amotinados, o governador Camilo
Santana (PT) solicitou, ontem, ao Governo Federal, a prorrogação
do decreto da Garantia da Lei da Ordem (GLO) no Ceará. A medida busca a
autorização da continuidade da atuação das Forças Armadas na Segurança Pública
do Estado, em crise há nove dias com a paralisação
de grupos de PMs. Nem o Governo do Estado nem o Governo Federal informaram
de quantos dias é o pedido de prorrogação.
Assinado
na semana passada, o decreto
presidencial que autoriza a operação GLO no Estado está previsto para
se encerrar amanhã (28). Do dia 19 deste mês até a última terça-feira (25), 195
homicídios foram registrados no Ceará.
O
oficial de comunicação das Forças Armadas, coronel Leônidas Carneiro Júnior,
informou, ontem, em coletiva de imprensa, que desde a chegada do Exército, no
dia 21, até a última terça, o número de homicídios, em relação aos outros dias
de motins nos quais as tropas do Exército ainda não haviam chegado, reduziu
em 35% no Ceará. Cerca de 2.500 homens do Exército estão no Ceará, além de
agentes da Força Nacional.
O
coronel acrescentou, ainda, que apesar de as Forças Armadas terem prerrogativa
para negociar o fim dos motins com os policiais militares, não irão atuar nesse
sentido.
Ainda
não foram divulgados detalhes sobre o pedido de prorrogação da operação GLO. Se
atendida, a medida do Governo Camilo Santana (PT) deve garantir um reforço na
Segurança Pública enquanto não há indicativo de fim da crise. Cabe ao
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidir se atenderá, mais uma vez, ao
pleito do governador.
Comissão
Ontem, uma
comissão dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – foi
instalada para reabrir o diálogo com os amotinados. O colegiado busca
intermediar um consenso entre o governador Camilo Santana (PT) e os PMs. O
objetivo é buscar uma saída institucional para a crise.
A
comissão é formada pelo procurador-geral do Estado, Juvêncio Viana; pelo
corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE),
desembargador Teodoro Silva Santos; pelo deputado estadual Evandro Leitão
(PDT); pelo procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro; pelo presidente da
Ordem dos Advogados no Ceará (OAB-CE), Erinaldo Dantas; e pelo coronel do
Exército Marcos Cesário.
Os
nomes foram definidos ontem, em reunião do grupo na sede do Ministério Público
do Estado do Ceará (MPCE), responsável por sugerir a instalação do colegiado.
Os membros do MPCE, da OAB-CE e das Forças Armadas irão atuar como mediadores,
fazendo a ponte entre a categoria e a comissão, para tentar retomar um
diálogo.
Novos
interlocutores para tal mediação foram estabelecidos. Um deles é o presidente
da OAB-CE, Erinaldo Dantas, que buscou conversar ainda ontem com policiais
paralisados no 18º Batalhão da PM, no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza. Na
ocasião, ele pediu que a categoria indicasse um representante. O nome escolhido
foi o do coronel reformado do Exército Walmir Medeiros, que hoje atua como
advogado. Ele é bem-visto por parte dos policiais por já ter defendido vários
agentes e participado de negociações da greve da PM de 2012.
De
acordo com Dantas, a OAB-CE atuará na crise de forma isenta, tentando encontrar
“pontos convergentes entre as partes”. Por isso, segundo ele, era importante
que a classe indicasse uma pessoa com legitimidade.
“Era
importante que eles elegessem um representante, uma pessoa diplomata que
pudesse levar o pleito dos policiais ao Governo, sob mediação da OAB, para que
juntos e a gente possa solucionar essa crise na segurança. A Ordem não apontou
nomes, eles que escolheram”, destacou.
Impasses
internos
O nome dele, no entanto, foi apontado
após impasses entre líderes da categoria e os próprios policiais, motivadas
pela interferência de políticos nas reivindicações, o que, para alguns, “tem
mais atrapalhado do que ajudado”. Anteriormente, um dos principais
interlocutores era o ex-deputado federal Cabo Sabino, que foi afastado da
Corporação pela Controladoria Geral de Disciplina (CGD), no dia 21 deste mês,
por “incapacidade moral do mesmo de permanecer nos quadros” da Segurança
Pública do Estado.
Sabino
se denomina publicamente como uma das lideranças e porta-voz da categoria, além
de convocar policiais para os atos. Coronel Walmir Medeiros, porém, foi
apresentado à classe como opção, e acabou sendo escolhido em assembleia dos
policiais no 18º Batalhão da PM.
Após
a escolha, Medeiros pediu calma à tropa e disse que o momento é de “quebrar o
gelo” e dialogar para chegar a algum lugar. “Neste primeiro momento, a ideia é
não falar de reivindicações. É quebrar o gelo, sentar para conversar, com
serenidade e respeito. Houve falhas no diálogo (com o Governo) e isso precisa
ser retomado”, disse.
Apesar
de não falar em anistia, ele destacou que o mais importante, agora, é “a
dignidade dos que estão presos e criar fases para negociações”.
Os
motins começaram após grupos de policiais rejeitarem uma proposta de reajuste
salarial para policiais e bombeiros militares enviada pelo governador à
Assembleia Legislativa neste mês, após acordo com associações representantes da
categoria A proposta foi acordada com líderes das entidades, mas rejeitada pela
tropa. O Governo já estabeleceu punições a policiais amotinados, que vão de
afastamento, investigação e até prisão. A gestão também tem negado
possibilidade de anistia.
Expectativas
Agora, as pautas da categoria serão
apresentadas por coronel Medeiros. Para isso, o presidente da OAB já pediu que
ele listasse os interesses de policiais, para a comissão avalie o que pode ser
negociado. “Em casos de negociações, a pressa não é uma boa conselheira. Coisa
importante a gente não resolve em um dia. Na última vez que eu estive aqui
(2012), foi cerca de uma semana. Estabelecer prazo é uma temeridade. A gente
tem que ter calma”, disse Medeiros.
Uma
reunião entre o procurador-geral do Estado (representante do Executivo na
Comissão) e o interlocutor da categoria deve ocorrer ainda nesta semana,
conforme Erinaldo Dantas. O encontro será marcado quando coronel Medeiros
entregar documento com as pautas da categoria, conforme já foi solicitado pelo
presidente da OAB.
A
comissão também quer se reunir com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), para tratar de decisão dele que orienta a mediação de
crises como a que ocorre no Ceará. Em 2017, Moraes reforçou a
inconstitucionalidade da greve por parte de todas as carreiras policiais. Na
época, posição dele foi acompanhada pela maioria dos ministros do STF.
Interlocutor
de PMs atuou em 2012
Escolhido
para ser o interlocutor dos policiais militares amotinados com a comissão dos
três poderes e, consequentemente, com o Estado, o coronel da reserva do
Exército Walmir Medeiros atuou na greve dos PMs de 2012. À época, ele ainda
fazia parte da ativa e atuou no reforço para a Segurança do Estado. Ele lembrou
aos policiais, ontem, como interveio nas negociações. “Quando cheguei aqui, eu
disse para vocês que o lema do Exército é ‘Braço Forte, Mão Amiga’. O braço
forte foi lá fora, cuidando da Segurança Pública, e a mão amiga foi para vir
conversar com vocês”, relembrou.
Segundo Medeiros, na época, as
negociações duraram aproximadamente uma semana. No entanto, ele ressaltou que,
agora, o cenário político do País é diferente, está muito mais “conflagrado”.
“Essa confusão política no País começou
em 2013, na Copa das Confederações. De lá para cá, é todo mundo contra todo
mundo. Metade é a favor e metade é contra. Está tudo muito mais polarizado. E
aqui, no Ceará, muita gente leva para o lado político. E essa não é a ideia”,
defendeu.
Conforme Medeiros, o momento exige
cautela para colocar os interesses da população acima dos próprios. “É preciso
delimitar o problema sem pensar em política e quem vai levar vantagem política.
Pouco importa quem vai ganhar vantagem na eleição deste ano ou na eleição de
2022.O que importa é a população”, pondera.
Além de ter atuado na greve dos
policiais de 2012, Walmir atua como advogado. Ele representa PMs acusados de
participar da ‘Chacina do Curió’, em que onze pessoas foram assassinadas, a
maioria delas jovens e adolescentes, em novembro de 2015. À época, ele lamentou
a morte dos jovens, mas afirmou que não existiam provas para incriminar os 33
PMs acusados no processo. “Ficamos muito tristes com isso. É uma coisa que nos
consterna muito, já que foram onze pessoas sem passagens na Polícia, ou seja,
uma coisa muito triste. Por outro lado, não há provas para condenar ninguém”.
Diario do Nordeste
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