Estádio Castelão (Foto: O POVO) |
Dezesseis
anos depois, o Ceará pode voltar a comercializar de forma definitiva bebidas
alcoólicas nos estádios de futebol. A votação do projeto de lei (PL) N.º 85/19,
de autoria do deputado estadual Evandro Leitão (PDT), que prevê a autorização
da venda em todas as praças esportivas do Estado, será realizada hoje na
Assembleia Legislativa (AL-CE).
O
texto chega para votação em Plenário após rápida aprovação nas seis comissões
da AL, em março. Para que seja aprovado pela Casa Legislativa, precisa de
maioria simples dos votos dos 46 deputados estaduais.
Em
caso de aprovação no Plenário, o PL segue para o governador do Estado, Camilo
Santana (PT), responsável por sancionar a lei.
A
polêmica pauta acirrou debates e mobilizou políticos, entidades sociais e
religiosas e a sociedade civil. Uma das principais críticas ao projeto é de que
o consumo de álcool impulsionará casos de violência dentro das arenas. Entre os
defensores, o discurso é que não há relação entre os pontos.
O
deputado Evandro Leitão explica que o projeto busca atender três pontos:
melhorar o acesso às praças esportivas, controlar a comercialização das bebidas
alcoólicas e dar maior segurança aos torcedores.
"Somos
a favor do regramento e da disciplina da comercialização das bebidas. Há um
descontrole muito grande na porta dos estádios esportivos, causando tumulto e
violência na porta dos estádios de futebol", explica o autor do projeto.
Segundo o pedetista, a violência relacionada ao futebol acontece do lado de
fora das praças esportivas.
Entre
os deputados do movimento contrário à proposta, está o deputado Apóstolo Luiz
Henrique (Patri), que comandou a última audiência pública antes da votação,
realizada há dois dias. Além de outros parlamentares, participaram da sessão
profissionais de segurança pública, advogados, médicos e representantes do Ministério
Público (MP) e de entidades sociais e religiosas.
Na
audiência, o deputado Marcos Sobreira (PDT) defende a inconstitucionalidade do
projeto de lei. Conforme o parlamentar, a pauta será levada ao Supremo Tribunal
Federal (STF), caso seja aprovada. "A Constituição Federal é clara. Diz
que apenas a União pode legislar sobre o tema desporto".
A
FAVOR
Robinson
de Castro (presidente do Ceará Sporting Club)
"Ser
contrário à liberação de bebida nos estádios é ser até preconceituoso. Afinal
de contas, em qualquer ambiente lúdico, em qualquer ambiente de esporte, não
tem nenhuma vedação. Escolheram o futebol simplesmente por preconceito. Todos
que frequentam o estádio, se fizer uma pesquisa, eu diria que praticamente a
totalidade tem a percepção de que a bebida em nada vai impactar a violência.
Então, acho isso uma inverdade, espaço para palanque oportunista. Não existe
explicação científica. Pelo contrário, as pesquisas que têm, e falam sobre
isso, são favoráveis à liberação das bebidas no estádio. Não vejo nenhum
problema, mas um preconceito com futebol".
Sérgio
Aguiar (deputado estadual - PDT)
"Temos
hoje uma Arena Castelão com toda estrutura de primeiro mundo, times na Série A,
temos bons gestores nas equipes. Tenho a confiança de que as torcidas que
frequentam os estádios são torcidas de primeiro mundo. Não acredito que alguém
saia às praças esportivas para ocasionar brigas".
João
Henrique Moura Barcellos (torcedor do Fortaleza e estudante de Direito)
"A
única coisa que isso faz é tirar a receita e atrapalhar os clubes. Todo mundo
sabe que quem quiser beber, é só ficar lá do lado de fora. Isso só tira a
possibilidade de o clube tirar uma parte desse valor pra ele e ainda faz com
que tenha confusão pra entrar, visto que as pessoas ficam até perto da hora do
jogo bebendo do lado de fora já que, em tese, não tem bebida dentro da arena, o
que a gente sabe é que há formas de burlar isso, mas que apenas prejudica o clube".
CONTRA
Plauto
de Lima (coronel da reserva da Polícia Militar e integrante do Movimento Brasil
sem Drogas)
"Sou
contra tudo que pode gerar violência. Mesmo o Castelão com a estrutura que tem,
temos grandes probabilidades para ter sérios problemas com violência. É
inquestionável a relação do consumo de álcool com os picos de violência. A
gente observa os planos de segurança pública que são tidos como modelo, caso da
Colômbia, que restringiu em determinados locais e horários a venda de bebida, e
houve diminuição de 8% o índice do homicídio".
Fábio
Gomes de Matos (psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará - UFC)
"A
violência não é isenta de gatilhos que são importantes. Um dos principais é o
álcool. Libera determinados impulsos que sem o álcool são controlados. É
fundamental entender que o álcool em qualquer situação deve ser evitado".
Roberto
Ferreira (torcedor do Fortaleza e auxiliar de produção)
"Sou
contra porque com os ânimos alterados devido à bebida alcoólica podemos ter
cenas lamentáveis nas arquibancadas ou no pós-jogo. Sabemos bem os efeitos da
bebida no ser humano e isso é um risco aos que frequentam os estádios, podendo
até deixar os outros torcedores com medo de irem aos estádios, além de termos
uma maior incidência de torcedores sob efeito de álcool no volante após o
jogo".
MPCE
acionará Justiça em caso de aprovação da lei
O
Ministério Público (MPCE) já possui uma ação pronta para a suspensão da lei,
caso seja aprovada e sancionada pelo governador Camilo Santana (PT).
Coordenador do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (Nudtor), o promotor
Edvando França reforça o discurso a favor da proibição de bebidas nos estádios
como fator fundamental para o fim da violência.
"É
gigante o prejuízo (em caso de aprovação). A bebida tira os freios morais do
cidadão", comentou o promotor. Para o coordenador do Nudtor, o projeto em
votação vai na contramão da segurança e da paz nos estádios. Dados apresentados
pelo Ministério Público apontam que houve diminuição de até 97% da violência
nos estádios de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo após a proibição da
comercialização.
O
número de ocorrências em Pernambuco caiu de 1.643, em 2005, para 112, em 2010,
conforme o MPCE. Em São Paulo, os registros despencaram de 1.745, em 1992, para
49, em 2006. Em Minas Gerais, o órgão afirma que houve redução de 45%, mas não
detalha os números.
"Aqui
no Ceará não temos violência. Vamos mexer numa coisa que está dando certo. A
quem interessa? Será que o cidadão de bem realmente precisa de bebida no
estádio? O time da paz está ganhando", ressaltou o promotor Edvando.
O
membro do Ministério Público lembra ainda que durante a Copa do Mundo, período
em que a bebida nos estádios foi liberada de forma excepcional, houve registros
de violência por causa do consumo de álcool. (Lucas Mota)
Os
impactos da liberação
A
venda de bebida alcoólica em arenas esportivas tem discussões sobre diversos
impactos. Social, econômico e psicológico. Mas há insuficiência de dados
estatísticos e de estudos sobre esses diferentes efeitos, o que faz o debate
ser evidenciado em opiniões do que em informações. Violência, torcida,
torcedor, emoção e realidade. A decisão a ser tomada hoje pela maioria de
deputados estaduais, que deverá ainda ser sancionada pelo governador Camilo
Santana (PT), pode provocar mudanças significativas no futebol cearense.
A
economia é uma delas. Em 2014, durante a Copa do Mundo, legislação específica
garantiu que uma marca de cerveja fosse vendida antes e durante os jogos. Não é
possível mensurar o número de torcedores que vai ao estádio e consome bebida
alcoólica. "O que pode espelhar o que aconteceu na Copa, quando se via uma
quantidade significativa de bares e restaurantes. À medida que se efetiva isso
e se qualifica, você presta um serviço de qualidade para potenciais investidores",
explica o economista Ricardo Coimbra.
Para
ele, os impactos econômicos perpassam por uma perspectiva de gestão da
atividade, com potencial fonte de renda. Atrair marcas parceiras e criar
espaços para publicidade, por exemplo. "Mas precisa ser de forma bem
pensada, arranjada. Inclusive com melhor estruturação de segurança
também", afirma. Uma adequação realmente será necessária, principalmente
se considerarmos que, com mais de uma década sem bebida no estádio - à exceção
da Copa - torcedores, futebol e arena física não são mais os mesmos.
Nesse
contexto, as torcidas organizadas ganham destaque. Afinal, muitos dos
argumentos contra a liberação para a venda têm como base o histórico de briga
entre elas. O membro do Laboratório de Conflitualidade e Violência (Covio), da
Universidade Estadual do Ceará (Uece), Lucas Oliveira, ressalta que as torcidas
organizadas acabam sendo representadas apenas de um jeito no imaginário social.
"Mesmo quando elas têm outras formas de se representar", frisa.
Ele,
que desenvolveu estudo sobre as torcidas e a forma como são evidenciadas na
mídia, destaca que o desporto é uma válvula de escape da sociedade moderna.
Permite uma exacerbação das emoções, que pode vir a ultrapassar limites
sociais. "Nesse campo, a bebida pode ser um potencializador, mas não
originar. De certa forma atua como estimulante em determinadas situações. Mas
existem aquelas pessoas que não se deixam alterar. Não podemos
generalizar", pondera.
LUCAS
MOTA - O Povo