Governador
cearense do PT elogia Sergio Moro, diz que a decisão de ir até o fim está
tomada e pede união de todos contra o crime
A
entrevista aconteceu num espaço simbólico: a sala de Gestão de Crise da
Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Camilo Santana (PT)
recebeu O POVO por volta das 19 horas de ontem, sentado na cabeceira
da mesa de onde a crise tem sido acompanhada quase que ato a ato desde quando a
onda de ataques começou, com apenas dois dias de posse do novo governo. Camilo
reforçou sua disposição de levar adiante o "endurecimento" na
política penitenciária e no combate às facções.
O
POVO - Qual balanço o senhor faz da situação?
Camilo
Santana - É um momento ainda de muito alerta, de monitoramento 24 horas,
com todas as nossas forças policiais nas ruas, trabalho de inteligência, com
blitze em pontos estratégicos da Cidade para garantir os serviços essenciais da
população. Estamos garantindo um policiamento forte em apoio aos ônibus de
Fortaleza, à coleta de lixo, funcionamento de hospitais, fornecimento de água,
energia. Estamos procurando fazer com que a população também nos ajude, com
denúncias, até pelo fato de ser impossível estarmos em todos os locais da
Cidade. Com essa forte presença da Polícia, e a ajuda da Força Nacional,
verificou-se uma tendência de interiorização, fazendo com que passássemos a
reforçar o Interior. O pessoal que veio da Bahia está quase todo no Interior, o
uso das nossas aeronaves tem ajudado bastante. É constante acompanhamento para
que a gente possa ir avaliando a cada momento. Criamos um Gabinete para
acompanhar o quadro na SSPDS, com a participação do Ministério Público, e estamos
transferindo os líderes e outros criminosos para presídios federais.
OP
- Houve mudança clara de política em relação ao sistema penitenciário estadual,
de uma gestão para outra, optando-se, agora, por uma linha de endurecimento. A
reação de alguma forma surpreendeu o governo quanto ao nível de violência?
Camilo -
Já era esperada, de certa forma. Nos quatro primeiros anos de governo, tivemos
um plano elaborado por especialistas. O primeiro ano do mandato foi para
construção de um plano, que tinha três eixos importantes. Primeiro o eixo
policial, mostrando a necessidade de contratação de novos policiais, da
valorização dos profissionais, a deficiência que havia na Polícia Civil,
tínhamos um dos menores efetivos do País, inclusive, continua sendo insuficiente,
por isso farei novo concurso. Um segundo eixo era o sistema prisional e o
terceiro apontava o aspecto da prevenção. Procuramos trabalhar nos três eixos,
sendo importante lembrar em 2016 tivemos uma grave greve de agentes
penitenciários, o que quebrou o sistema inteiro. Era preciso, então,
recuperá-lo, como primeiro passo, e contratar profissionais. Praticamente
dobrei o número de agentes penitenciários no fim de 2018, contratei mais mil
profissionais e agora antecipei mais 600 este ano. Nesse contexto é que decidi,
para 2019, reestruturar tudo, criar uma Secretaria exclusiva para o sistema e
fui buscar alguém que já nos ajudou, aqui, naquela crise de 2016, que já
conhecia o sistema, um homem de larga experiência, com trabalhos realizados no
Rio Grande do Norte, em outros estados, para ser nosso secretário e ter
autonomia para fazer cumprir as determinações e a lei. Já havia essa
determinação desde quando foi feito o convite, em dezembro, ao secretário Luis
Mauro Albuquerque.
OP
- Há críticas ao fato de o novo secretário ter feito declarações já no dia da
posse que muitos consideram ter detonado toda a crise, aquela história de
"não reconheço facções". O senhor concorda que houve algum descuido
nesse aspecto?
Camilo -
Não acredito que só isso... Acho que foram as ações concretas que foram
iniciadas, porque só de falar, dificilmente.
OP
- Tem sido uma reação muito forte, muito violenta...
Camilo -
Sem dúvida.
OP
- Isso pode determinar algum tipo de recuo do governo?
Camilo -
Não há possibilidade de recuo. É uma decisão de Estado, colocamos isso
claramente para o Governo Federal, por isso é que pedimos apoio desde o
primeiro dia, exatamente em razão desse aspecto. Seremos duros em relação a
fazer cumprir a lei dentro do sistema penitenciário do Ceará.
OP
- O senhor tem dito que a situação que o Ceará enfrenta agora é de caráter
nacional, não é um problema apenas local. Há necessária compreensão disso, há
gestos importantes de apoio de outros governadores, há PMs enviados pela Bahia,
Piauí...
Camilo -
É, todos têm se colocado à disposição.
OP
- Mas, há essa compreensão de que o Ceará vencer essa guerra contra o crime
organizado deve interessar ao País?
Camilo -
Não conversei especificamente sobre esse assunto com os governadores, falei com
o ministro Sergio Moro (da Justiça e Segurança Pública), que desde o primeiro
momento tem dado todo apoio ao Ceará. Tenho conversado com o ministro todos os
dias e ele compreendeu a necessidade de o Estado se impor e de que o Ceará está
dando ao País, neste momento, uma demonstração de coragem, de determinação, ao
enfrentar essa situação. É um momento difícil, mas isso vai nos garantir, a
médio e longo prazo, uma realidade muito melhor para o Ceará.
OP
- O que tem chegado ao senhor como manifestação da sociedade acerca de tudo que
tem acontecido? As pessoas estão assustadas, afinal.
Camilo -
Hoje (ontem) mesmo, passei toda a tarde andando nas ruas, visitando alguns
pontos de fiscalização da Polícia, conversando com a população, e com quem
tenho me encontrado há manifestado apoio. Claro que há tensão etc, mas o que
dizem é coisa do tipo 'governador, vá pra cima', 'tem que ser duro com os
bandidos'.
OP
- O senhor consegue fazer uma estimativa de quanto tempo mais essa crise deve
durar?
Camilo -
É imprevisível.
OP
- Mas, dá pra dizer que a situação está hoje mais controlada do que antes?
Camilo -
Sim, muito mais, houve clara redução de ações. Sem que isso signifique que vá
parar, permanecemos 24 horas em alerta, estaremos recebendo ainda mais 100
novos homens da Força Nacional, se necessário vamos pedir mais, enfim, o que
entendermos necessário para garantir a ordem no Ceará nós faremos.
OP
- Uma coisa que se discute, projetando-se o pós-crise, é quanto à capacidade
que tem o governo de dar os próximos passos. Passada a fase do confronto, não é
o caso de investir mais na inteligência? O senhor admite problemas nesse campo?
Camilo -
Temos investido fortemente nisso, mas precisamos investir mais. O Centro
Integrado é importante, para o Nordeste e para o Ceará, e é necessário
continuar investindo em todas as Polícias, não apenas em pessoal como também em
equipamento e tecnologia. Queremos implantar, não sei se dará tempo para 2019,
o bigdata com reconhecimento facial aqui no Ceará, permitindo que quando um
bandido entra num estádio de futebol possa ser reconhecido, para que alguém que
tenha mandado de prisão em aberto possa ser reconhecido num ônibus, num posto
de saúde ou, até, numa câmera dessa de rua. Estamos buscando o que há de melhor
no mundo, contratei as maiores empresas de tecnologia, somos o único estado do
Brasil que trabalha com essas empresas para implantar esse sistema aqui. Vamos
continuar investindo fortemente em tecnologia, como temos hoje o Spia, que
permite prender carros em sete minutos a partir de quando as informações chegam.
Dezessete estados já pediram informações sobre esse sistema. Nosso sistema de
videomonitoramento tem 2.800 câmeras integradas em todo o Ceará, fazendo
leitura de placa, identificação de veículos e continuaremos investindo.
Inclusive no sistema penitenciário, onde trabalhamos para evitar o contato do
preso, que só vai ser atendido no parlatório, com telefone. Nossa ideia é que
futuramente ele não tenha contato com advogado, determinar restrição de
visitas, enfim, cumprir o que diz a legislação.
OP
- Quanto à classe política, como avalia? Tem chamado a atenção o comportamento
do Capitão Wagner, deputado federal eleito, um notório crítico e opositor do
seu governo...
Camilo -
Ele me ligou, colocando-se à disposição, parabenizando a ação do Estado, perguntando
como poderia ajudar, informando que estaria indo a Brasília para pedir mais
apoio do Governo Federal... Esse é um momento de todos se unirem pelo bem do
Ceará. As questões partidárias, políticas, pessoais, as vaidades, precisam ser
colocadas de lado neste momento para se colocar os interesses da população
acima de tudo.
GUALTER GEORGE – O POVO