Relatório da UNICEF revela ainda que cerca de
720 milhões de crianças em idade escolar vivem em países onde não estão
totalmente protegidas por lei do castigo corporal na escola.
Embora pareça que os golpes nas
mãos com a régua que o professor dava são coisa de outro tempo, cerca de 720
milhões de crianças em idade escolar vivem em países onde não estão totalmente
protegidas por lei do castigo corporal na escola. Mesmo na Europa, as leis que
o proíbem são relativamente recentes. Esta é apenas uma das violências sofridas
por milhões de adolescentes em todo o mundo e que apresenta o último relatório
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado Una Lección Diaria:
#STOPViolenciaInfantil en las escuelas, publicado como parte de
sua campanha mundial #ENDviolence Against Children. O documento se baseia em
dados coletados de diferentes estudos e pesquisas entre 2003 e 2017.
“A educação é fundamental
para a construção de sociedades pacíficas e, no entanto, para milhões de
crianças em todo o mundo a escola não é um lugar seguro”, lamenta Henrietta H.
Fore, diretora-executiva do Unicef. “Todos os dias, muitos estudantes, seja
pessoalmente ou através da Internet, enfrentam uma série de perigos como
brigas, pressão para que façam parte de gangues ou intimidação a formas
violentas de disciplina, assédio sexual ou violência armada. Essas situações
afetam a aprendizagem no curto prazo e no longo prazo podem provocar depressão,
ansiedade e até levá-los ao suicídio. A violência é uma lição inesquecível que
nenhuma criança deveria aprender.”
Por seu lado, Javier
Martos, diretor geral do Unicef Espanha, afirma que este é, na verdade, um
assunto bastante novo, do qual há poucos dados comparativos. “Até recentemente
se pensava que o abuso infantil era algo da esfera privada. A escola deve ser
um lugar seguro para as crianças, onde aprendam e se desenvolvam. Sofrer
violência é inadmissível.” No caso da Espanha, aponta que uma lei abrangente
para a erradicação da violência contra crianças e o monitoramento constante das
denúncias de assédio já são necessárias. “Na Espanha, temos agora uma grande
oportunidade de oferecer aos menores a proteção necessária contra situações que
nunca deveriam viver.”
De acordo com o estudo, metade das crianças entre 13 e 15 anos sofreu
algum tipo de violência na escola ou em seus arredores, cerca de 150 milhões em
todo o mundo. Estas são as diferentes formas e etapas de abuso que podem
sofrer.
No caminho da escola
Para muitas crianças em todo o mundo o primeiro perigo vem muito antes
de pisarem na sala de aula. Nqobile é uma jovem sul-africana que foi agredida
sexualmente no caminho da escola quando tinha 13 anos. Ela conseguiu
exteriorizar isso com 18 anos, quando o diretor de sua escola a incentivou a
contar para evitar que isso volte a acontecer. O relatório do Unicef traz suas
palavras: “Estou me abrindo para as pessoas sobre isso pela primeira vez. Não
quero que nenhuma outra garota passe pelo que passei na escola”. Quando o
caminho não é seguro, os pais optam por deixar as meninas em casa, o que faz
com que as taxas de escolarização femininas caiam muito cedo e assim ficam
relegadas a serem mães e esposas.
Seus próprios colegas
De acordo com o relatório, um em cada três adolescentes sofreu algum tipo de bullying, e a mesma
proporção diz ter se envolvido em brigas. “Os pais precisam entender que isso
não é uma coisa de criança e não pertence à esfera privada, mas é uma questão
pública”, diz Martos. O estudo mostra que, enquanto as meninas têm maior
probabilidade de sofrer assédio moral, os meninos chegam à violência física. Em
39 países industrializados, 17 milhões de adolescentes admitem ter intimidado
algum colega na escola. “A orientação sexual ou a identidade de gênero também
pode levar a uma maior vulnerabilidade à violência nas escolas. As crianças que
se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros ou intersexuais
podem ser especialmente vulneráveis à violência por seus colegas”, explica o
estudo. Na Espanha, sem dados desde 2014, quase 17% dos jovens disseram ter
sido assediados e 30% afirmaram que se envolveram em uma briga. A Espanha é o
terceiro – entre os 37 países da Europa, EUA e Canadá – com o menor índice de
violência nas escolas entre os estudantes de 13 a 15 anos.
O que os professores podem fazer?
Metade das crianças em idade escolar em todo o mundo vive em países onde
o castigo corporal em sala de aula é permitido. Como amostra, o relatório
apresenta dados de Andhra Pradesh e Telangana, dois Estados da Índia, onde 78%
dos estudantes de 8 anos e 34% dos jovens de 15 anos disseram ter apanhado de
seus professores ao menos uma vez na semana anterior à pesquisa. “Falta
formação aos professores e uma mudança geral da cultura quando se trata de
entender as brigas entre alunos”, diz Martos.
O assédio continua nas redes
“Quando Angeline, de Kuala Lumpur, tinha 14 anos, um mal-entendido sobre
um trabalho escolar fez com que entrasse em conflito com uma amiga. Em questão
de semanas, todos os colegas a ignoravam e até se recusavam a sentar-se com
ela.” Sua história é um dos milhares de exemplos de assédio online que os
jovens sofrem diariamente. “Você nunca pode retirar algo que disse ou publicou
na rede, está sempre lá, e com essa experiência eu percebi o quanto uma palavra
pode te afetar”, diz a estudante que hoje tem 18 anos. O cyberbullying é um fenômeno relativamente recente que teve
uma explosão com o uso maciço das redes pelos adolescentes. “Ainda me lembro de
quando há alguns anos se recomendava aos pais que tinham computador na sala
para verificar, mas com os celulares e os tablets tudo
isso ficou quase obsoleto, é muito difícil de controlar”, diz Martos.
Quando isso acaba?
Para muitos, o problema não termina quando se fecham os livros. O
relatório do Unicef recupera um estudo realizado em 2010 nos Estados Unidos que
concluiu que os adultos que sofreram abuso físico ou sexual quando crianças
tiveram problemas na hora de conseguir emprego. “No mundo, o custo de toda a
violência infantil é de sete trilhões de dólares. Uma estimativa feita em 2004
no leste da Ásia e no Pacífico indicou que na região esse custo totaliza 150 bilhões
de dólares, cerca de 2% do produto interno bruto (PIB) dessa área”.
Fonte: El
País.