De
acordo com o ministro Luís Felipe Salomão, relator do processo, bloqueio da
carteira de motorista de devedor não fere direito de ir e vir
O Superior Tribunal de
Justiça (STJ) determinou nesta terça-feira a
devolução do passaporte a um devedor que teve o documento retido como forma de
pressão para o pagamento do débito. O caso acabou no STJ após
decisão da primeira instância da Comarca de Sumaré pela retenção do
documento, em 2017, por causa de uma dívida de 16,8 mil reais com uma
instituição de ensino. O envolvido afirmou que a medida ofende sua liberdade de
locomoção. A corte, entretanto, afirmou ser possível a retenção da Carteira
Nacional de Habilitação.
Na
decisão do STJ, o relator do caso, o ministro Luis Felipe
Salomão, considerou que a suspensão do passaporte é ilegal e
arbitrária por restringir o direito de ir e vir de forma desproporcional. “A
retenção do passaporte enseja embaraço à liberdade de locomoção do particular”,
disse. O voto do relator foi acompanhado pelos demais quatro ministros da
Quarta Turma do Tribunal e a decisão foi unânime.
Segundo
o ministro, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser
fundamentada e analisada caso a caso. No processo analisado, Salomão entendeu
que a apreensão do passaporte foi desproporcional. Ele também afirmou ser
necessário que o STJ fixe diretrizes na interpretação do artigo 139, inciso IV,
do Código de Processo Civil de 2015, que autoriza a adoção de qualquer medida
para o cumprimento de ordens judiciais.
O
ministro acrescentou que o reconhecimento da ilegalidade da suspensão do
passaporte no caso julgado não significa que a medida não pode ser adotada em
outros processos. “A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que
obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada
também a proporcionalidade da providência”, destacou.
Em
relação à suspensão da CNH do devedor, o ministro disse que os precedentes do
STJ já afirmaram que isso não ofende o direito de ir e vir. “Com a decretação
da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para
todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou
Salomão. O ministro reconheceu que a retenção da CNH poderia causar problemas
graves para quem usasse o documento profissionalmente, mas é possível que isso
seja questionado judicialmente.
Jurisprudência
A
advogada Renata Cavalcante de Oliveira, sócia do Rayes & Fagundes Advogados,
explica que tal prática teve início com o novo Código de Processo Civil, que
entrou em vigor em março de 2016. “Muitos advogados de credores passaram a
pedir o bloqueio de documentos de devedores até que o pagamento da dívida fosse
realizado. A medida em questão gerou muita polêmica. Muito embora tenha por
finalidade atingir o resultado útil do processo, para muitos, viola direitos
fundamentais como o de ir e vir”, analisa.
Ela
ressalta que o Tribunal de Justiça de São Paulo se
posicionou no sentido de que as execuções devem ser feitas sempre pelo meio
menos prejudicial ao devedor e que ele deve responder pelas suas dívidas
somente com o patrimônio. “A decisão do STJ caminhou pelo mesmo sentido.
Todavia, se por um lado a decisão garante o direito de ir e vir do devedor, por
outro lado, acaba por diminuir recursos que satisfaçam o recebimento do
crédito”, diz.
Por
fim, explica que não é incomum se deparar com devedores que blindam completamente
seu patrimônio, continuando a viver uma vida de luxo, sem, todavia, honrar com
dívidas livremente assumidas. “A boa notícia para os credores é que o STJ
concluiu que o bloqueio da CNH não viola o direito de locomoção do devedor, já
que ele permanece podendo se deslocar ainda que não possa conduzir o
automóvel”.
Ela
acrescenta que o assunto em questão ainda pode sofrer uma reviravolta, já que
existe no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI 5.941) para discutir a aplicação destas medidas.
José
Nantala Bádue Freire, da área civil do Peixoto & Cury Advogados, ressaltou
o caráter específico da decisão. Para ele, “a decisão abre um precedente
muito útil, pois define um escopo mais específico para o uso deste tipo de
medida, esclarecendo que se trata de algo absolutamente excepcional, como
parece mesmo ser o espírito do que resta previsto no Código de Processo Civil”.
(Com Estadão Conteúdo)