O Governo do presidente Michel Temer (MDB) vai
propor que até 40% da carga horária total do Ensino Médio seja realizada à
distância. A proposta também prevê que educação de jovens e adultos tenha 100%
do curso fora da escola.
A reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, abriu
a brecha ao ensino online —possibilidade vetada anteriormente. Agora, resolução
que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio prevê essa
regulamentação da carga horária.
O texto já teve uma primeira discussão no Conselho
Nacional de Educação (CNE). Após a definição das diretrizes, caberá a cada rede
pública ou escola privada regulamentar formatos e ferramentas do ensino.
As regras debatidas autorizam que qualquer conteúdo
escolar previsto no currículo possa ser dado a distância. Se aprovado, os
alunos poderiam ter dois dias de aulas por semana fora da sala.
Os defensores da proposta no CNE dizem que ela visa
permitir a experimentação de novos recursos na educação. Especialistas temem a
precarização do ensino nas redes públicas – que concentram 88% das matrículas
da etapa. O Brasil tem 6,9 milhões de matrículas no Ensino Médio público – em
torno de 1,5 milhão dos jovens de 15 a 17 anos (14,6% do total) já abandonaram
os estudos.
A lei de reforma do Ensino Médio estipulou que 60%
da carga horária contemple conteúdos comuns, a partir do que constar na Base
Nacional Comum Curricular para a etapa – que está no Ministério da Educação e
deve ser apresentada ao CNE neste mês.
Para a carga restante, os alunos escolheriam entre
cinco opções (se houver oferta): Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza,
Ciências Humanas ou Ensino Técnico. Com as regras em discussão no conselho,
toda a área flexível poderia ser feita a distância.
A oferta dessas linhas de aprofundamento é um dos
principais desafios para que a reforma saia do papel. Mais de metade dos
municípios do País só tem uma escola de Ensino Médio, dificultando a oferta de
cinco opções para os estudantes. O aval para até 40% da carga a distância
abriria margem também para atender situações de falta de professores.
O governo Temer chegou a incluir em decreto, em
maio de 2017, a autorização de ensino à distância para alunos do 6º ao 9º ano
que estivessem “privados de oferta” de disciplinas. Após críticas, voltou atrás
e revogou a medida.
Debate
A minuta das novas diretrizes curriculares foi
apresentada no CNE no dia 6 pelo presidente do conselho, Eduardo Deschamps, e
pelo diretor do Senai, Rafael Lucchesi, relator da proposta.
Antes da apresentação, esse conteúdo foi debatido
com integrantes do MEC, que participaram da redação. Questionada pela
reportagem, a Pasta não quis comentar seu teor e disse que a definição é uma
atribuição do conselho.
O CNE é um órgão de assessoramento do MEC. Os
membros são nomeados pelo presidente da República. Não há prazo para
finalização do processo, mas a previsão é de que ocorra neste semestre. As
diretrizes curriculares são normas da Educação Básica que orientam as escolas,
inclusive particulares. Há a necessidade de revisão por causa das mudanças com
a reforma do Ensino Médio.
Deschamps defende a proposta apresentada, mas diz
que ela será ainda debatida. “Na minha opinião, não estamos falando de Ensino
Fundamental, mas do Médio. Se não criarmos mecanismos, vamos continuar com
problemas de atendimento e perder oportunidades de uso.”
Também integrante do CNE, Cesar Callegari critica.
“Recursos à distância devem servir como complemento, jamais em substituição de
professores e da escola como local de vivência presencial”. Para ele, a
discussão teria de incluir docentes e alunos.
Responsabilidade
O professor Nelson Pretto, da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), pesquisador em tecnologia e educação, diz que a medida é sinal
de esvaziamento do Ensino Público de qualidade e falta de compromisso com
investimentos. “Fica claro um movimento de desresponsabilização do Estado
brasileiro com a formação crítica e sólida da juventude, e também com a
infraestrutura escolar”, diz.
Nas escolas de Ensino Médio do País, 60% não têm
laboratório de ciências, 16% não têm laboratórios de informática e 34%,
bibliotecas. Pretto diz desconhecer experiência internacional com abertura como
essa. “Não quer dizer que não tenha tecnologia, mas, em um processo dessa
forma, joga ao cidadão toda a responsabilidade.”
O novo documento nem sequer exige que haja recursos
digitais na parte remota. O texto diz que a educação à distância pode ser
realizada “desde que haja suporte tecnológico – digital ou não – e pedagógico
apropriado”.
Um integrante do MEC, que conversou com a
reportagem sob a condição de anonimato, deu como exemplo as atividades já
existentes para reposição de aulas, em que há apenas a entrega de trabalhos por
parte dos alunos.
Estudos mostram que aumentar a quantidade de horas
na escola tem grande potencial de alavancar resultados. O próprio Governo
Federal anunciou, junto com a reforma do Ensino Médio, um programa de incentivo
a escolas de tempo integral (com ao menos 7 horas por dia).
Essa mesma reforma exige a ampliação da carga
mínima diária das atuais 4 horas para 5 horas até 2022. Essa adequação poderia
ser, segundo membro do MEC, a primeira forma de uso de iniciativas não
presenciais.
O coordenador executivo da Ação Educativa, Roberto
Catelli Jr., diz que, para a Educação de Jovens e Adultos, a abertura de 100% a
distância pode ser positiva caso seja só uma opção. “Quanto mais modelos, mais
chances de atender um público diversificado. O problema é transformar 100% a
distância numa política que só vai sucatear.”
As novas diretrizes permitem ainda que atividades
externas possam ser consideradas como carga horária escolar. É previsto que
trabalhos voluntários e contribuições para comunidade sejam passíveis de entrar
na conta.
Com informações do Jornal Folha de São Paulo