Na reserva indígena, o receio de que haja algum
tipo de retaliação porque os corpos foram achados lá. O crime descoberto por um
índio durante a colheita de murici mobilizou o País
A descrição é precisa, detalhada e cheia de
conjecturas. Os moradores da reserva indígena em Aquiraz sabem contar o passo a
passo do crime que surpreendeu, assustou e ficará na memória. Eles viram o
helicóptero sobrevoando o local, um dos índios encontrou os corpos e outros
aguardaram cerca de sete horas antes que a Perícia Forense os resgatasse. A
localidade, pacata e destino de turismo comunitário, virou cenário da guerra
que aflige o País e o Ceará.
O POVO foi até o terreno onde tudo ocorreu,
distante cerca de 30 minutos a pé da entrada da reserva. Há marcas de
aterrissagem da aeronave, pedaços de tecidos queimados, um óculos
-aparentemente de ouro - grudado a um pedaço de pano brilhoso.
“O loiro grandão (identificado como Rogério
Jeremias de Simone - o Gegê do Mangue) tinha dois tiros na cabeça, um deles
dentro do ouvido. E outros dois tiros no braço. O moreno (Fabiano Alves de
Souza) tinha dois tiros na cabeça, sendo um no canto do olho, mais um na coxa
direita e outro no braço”, contou um dos moradores que ajudou a preservar o
local do crime.
“Não deixamos ninguém encostar, e onde tinha as
cápsulas, eu mesmo marquei com o facão, para ninguém pisar”, frisa. Quando a
Polícia chegou, o colar de ouro com um pingente em forma de cifrão, cravejado
de diamantes, ainda estava lá. Assim como os relógios.
Tudo vale quase meio milhão de reais. “Deus me
livre querer pegar um negócio desses”, destaca. Até uma fogueira foi
improvisada para a espera pelo rabecão no escuro.
No local, ainda era possível sentir o cheiro do
combustível usado para tentar incendiar os corpos. As informações dão conta de
que a aeronave sobrevoou rasante, se afastou e, 10 minutos depois, retornou.
Dessa vez pousando. “Eles passaram uns 40 minutos e depois o helicóptero
passou, voando para o lado oposto”, conta outra moradora.
Como era dia e sempre há caçadores nos arredores,
os estampidos dos disparos não causaram estranheza. Ainda conforme os moradores
da localidade, também não é raro ver helicópteros pela área. “Ninguém quer
falar porque ficou o clima de medo. Sabe-se lá quem são esses camaradas. Aqui é
visitado por muita gente, e se de repente tem um indivíduo no meio que quer
saber o que você falou, para lhe calar?”, pondera outro morador, receoso.
Um dos índios que acionou o Comando de Policiamento
de Aquiraz na sexta-feira,16, disse que foi questionado sobre o conhecimento
acerca de grupos criminosos na região. Ontem à tarde, quatro policiais
estiveram na reserva. Eles reforçaram a teoria de que os criminosos não seriam
do município. “Os traficantes daqui se sustentam com o assalto às casas de
veraneio. Não teriam toda essa logística”, afirma um dos agentes, sem se
identificar.
Os integrantes da reserva temem que sejam
identificados apenas por causa do crime. E sabem que a história do local terá
sempre o episódio em suas entranhas. Afinal, o crime que mobilizou as forças de
segurança do Brasil e trouxe inúmeras indagações sobre o poder das organizações
criminosas foi descoberto enquanto um jovem índio colhia murici. “Ele só tinha apanhado
dois litros quando viu a cabeça de um dos mortos”, conta um dos índios.
HELICÓPTERO
DRIBLE NOS RADARES?
BAIXA ALTITUDE
Uma das formas de o helicóptero utilizado pelos
executores driblar os radares é se o sobrevoo tiver sido a menos de 500 pés
(cerca de 150 metros). Nesta altura, segundo um piloto ouvido pelo O POVO, é
considerado “um voo crítico, mas possível, para não ser mesmo identificado”
TRANSPONDER
Dentro das regras da aviação civil, o piloto do
helicóptero deve informar à torre de controle o plano de voo, com pontos de
decolagem e pouso. Além disso, a aeronave estaria rastreável através do
transponder - se não tiver sido desligado. O aparelho dá o posicionamento da
aeronave e funciona como uma identidade aérea.
AUTONOMIA DE VOO
Um helicóptero tem no máximo quatro horas de
autonomia de voo, o que excluiria a possibilidade de a aeronave ter percorrido
uma longa distância - vinda de outro Estado - sem parada para reabastecimento.
DETALHES
CENÁRIO DO CRIME
JOIAS VALIOSAS
Além do colar de ouro com um pingente em força de
cifrão, uns óculos também de ouro ainda estavam no local, parcialmente
queimado.
Junto a ele, um tecido brilhoso e colorido.
TERRENOS
Próximo ao terreno onde os corpos foram
encontrados, havia outro espaço aberto, descampado. Os índios acham que o
helicóptero não pousou lá porque ficava a 50 metros de uma das casas da
reserva.
TIROS
Os moradores da reserva afirmaram que ouviram cerca
de seis tiros.
Mas foram encontradas 11 cápsulas, segundo eles.
CORPOS
Conforme os índios, o trajeto entre os rastros de
pouso da aeronave e onde os corpos foram achados exibia duas linhas de sangue.
Uma mais reta e outra curvada, como se os assassinos já soubessem onde era
melhor colocar os corpos.
Fonte: O Povo