Basta um olhar rápido pelas ruas de Fortaleza para
perceber que os benefícios do açaí vão além daqueles relacionados ao organismo.
O fruto típico da região amazônica caiu no gosto do cearense e é hoje também
fonte de oportunidade de novos negócios e empregos. Das lojas de rua, passando
por fábricas de beneficiamento e empresas de exportação, hoje, no Ceará, tem
até agricultores investindo em plantar o fruto.]
É um efeito em cascata. Na Capital, a parte mais
visível desta cadeia produtiva são as açaíterias, lojas especializadas na venda
de açaí. A Puro Açaí é um exemplo deste fenômeno. Em cinco anos, a venda que
começou em um carrinho de lanche hoje virou uma rede de franquias com 32 lojas
não só na região Metropolitana de Fortaleza, mas também em Itapipoca, Sobral,
Quixadá, Juazeiro do Norte e em cidades do Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão
e Paraíba. Em cada uma delas, são necessários entre oito a 10 funcionários para
atender a clientela.
“Cresceu muito o consumo. Aqui mesmo, fim de tarde
e final de semana é o tempo inteiro lotado”, explica Álvaro Santhos, dono da
loja da Aldeota e irmão do idealizador da rede, Franklin Vieira. Para ele, o
segredo para este aumento no consumo está nas propriedades nutricionais do açaí
e na receita, que ele não revela qual é, mas que é desenvolvida na fábrica
própria da rede, instalada em Fortaleza. A capacidade de produção é de 70 a 85
toneladas de açaí por mês.
A proliferação de lojas pela Cidade motivou a
entrada no mercado de fábricas especializadas em apenas beneficiar o produto e
distribui-los.
A True Açaí é uma delas. Montada em 2015, no bairro
da Parangaba, hoje tem capacidade de processar de 15 a 20 toneladas de açaí por
mês e possui uma cartela com mais de 300 clientes ativos.
“Percebemos que era um mercado que estava em
ascensão, mas não tinha muita organização e padrão de qualidade. Por isso,
decidimos ir à fonte, entender como funciona e revender a polpa concentrada”,
explica o gerente da True Açaí, Afonso Rocha. Conexão Pará O caminho que o açaí
percorre até chegar à mesa do cearense, no entanto, é bem mais longo. E começa
a mais de 1,6 mil km de Fortaleza, em municípios como Igarapé-Miri, no nordeste
paraense que lidera a produção no Brasil e no mundo. O Pará responde sozinho
pela produção de mais de 1 milhão de toneladas do fruto in natura por ano.
É lá também que estão as fábricas de processamento
que transformam o fruto em polpas de 1 kg congeladas e prontas para serem
distribuídas para outros mercados. O trajeto para o Ceará é percorrido em
caminhões refrigerados. E, uma vez no Estado, em regra, passam por outras
etapas de beneficiamento para chegar à consistência do açaí como é conhecido
aqui.
O pesquisador da Emprapa Amazônia Oriental, Urano
de Carvalho, explica que apesar da popularização do consumo do açaí no Nordeste
ser relativamente recente, este é um produto que historicamente compõe a base
da alimentação na região amazônica.
“Na verdade, até a década de 1990 o açaí só era
consumido na Amazônia, especialmente no Pará, que mesmo nos dias de hoje
responde pelo consumo de 75% da produção. Com a popularização dos alimentos
funcionais, o açaí foi conquistando novos mercados. O Sudeste, principalmente,
fica basicamente com 70% do que vai para fora. O Nordeste representa 10%”.
O CAMINHO DO AÇAÍ
O AÇAÍ É FRUTO do açaizeiro, espécie de palmeira
muito comum na região amazônica, que cresce em áreas de várzeas, à beira de
rios e igarapés.
90% O PARÁ responde por mais de 90% da produção
mundial. São mais de um milhão de toneladas de açaí por ano. Destes, 75% é
destinado ao mercado local e 25% para as demais regiões do País e exterior.
A PRODUÇÃO É EM MUITOS CASOS A PRINCIPAL FONTE DE
RENDA DE FAMÍLIAS QUE VIVEM DO EXTRATIVISMO NOS MUNICÍPIOS DE IGARAPÉ MIRI,
ABAETETUBA E CAMETÁ, NO NORDESTE PARAENSE. PARA COLETAR O FRUTO É USADA A
PECONHA, UM ACESSÓRIO ARTESANAL AMARRADO NOS PÉS PARA SUBIR NA ÁRVORE.
R$ 150 UMA LATA OU RASA (cestas de vime ou palha),
com o equivalente a 14,2 kg do fruto, é comercializada em épocas de safra (de
agosto a novembro), em média, a preços entre R$ 30 e R$ 40. Na entressafra, a
mesma lata pode custar até R$ 150.
Depois disso, esta produção pode ter dois caminhos.
O primeiro é a venda de mão em mão até o consumidor local. O litro do açaí
(papa) custa, em média, em Belém, R$ 15.
Ou encaminhado para média e grande indústria, em
geral em Castanhal (distante 75,2 km da capital), para ser pasteurizado e
vendido como polpa.
DE CADA TONELADA de açaí in natura são obtidos
entre 450 a 500 kg da bebida açaí. Empresas maiores chegam a processar em torno
de 1.200 toneladas por ano. A polpa congelada é vendida por preços entre R$ 10
a R$ 16, o quilo.
NO MERCADO INTERNACIONAL, OS PRINCIPAIS COMPRADORES
SÃO ESTADOS UNIDOS, PAÍSES DA EUROPA E JAPÃO. UMA PARTE DESTA PRODUÇÃO PASSA
PELO CEARÁ PARA SER EXPORTADA VIA PORTO DO PECÉM. A EMPRESA BRASILEIRA DE
BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA (EEBBA), QUE ESTÁ ENTRE AS CINCO MAIORES EXPORTADORAS
DO AÇAÍ NO PAÍS, TEM UMA UNIDADE EM ARACATI.
NO BRASIL, em torno de 70% do que é destinado para
outras regiões vai para o Sudeste. O Nordeste fica com 10% da produção. No
Ceará, já existem várias distribuidoras que são responsáveis pelo abastecimento
de estados vizinhos.
ANTES DE chegar às lojas, normalmente, a polpa do
açaí passa por outro processo de beneficiamento em fábricas, em que recebe
aditivos, como xaropes e açúcar, que garantem a consistência do produto como é
conhecido por aqui. O preço do açaí vendido nas lojas varia entre R$ 20 a R$ 38
reais o quilo.
POLPAS E SUCOS Mesmo sem planta nativa, Ceará já é
importante exportador Mesmo sem ter uma palma de açaizeiro nativa em seu
território, o Ceará é importante exportador de açaí no mercado externo. Isso se
deve à produção da Empresa Brasileira de Bebidas e Alimentos (EBBA), que detém
as marcas de sucos concentrados do País, Maguary e Dafruta, e que escoa parte
de seus produtos pelo Porto do Pecém.
Não há números oficiais específicos sobre a
exportação de açaí no Ceará, já que a polpa, entra nos números gerais das
frutas. A responsável pelo setor exportação da EBBA, Lorena Barros, também não
fala em números, mas confirma que a empresa está entre os cinco principais
players deste mercado.
A unidade da empresa em Aracati é responsável pela
exportação da polpa de açaí, sem aditivos, que é comprada diretamente de
fornecedores do Pará. Neste caso, não há nenhuma outra etapa de beneficiamento.
Também exporta outras polpas de frutas tropicais e sucos concentrados.
“Comparada aos sucos, o volume de açaí ainda é
pequeno, mas junto com a acerola são as polpas que têm mais demanda para
exportação. A gente percebe que é um mercado em ascensão devido as suas
características nutracêuticas, principalmente nos Estados Unidos e Europa”.
O pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Urano
de Carvalho, confirma o crescimento das exportações pelo Ceará, mas ressalta
que não é o único. Há no Pará várias indústrias que fazem o escoamento da
produção diretamente pelos portos locais. Além dos Estados Unidos e países da
Europa, são importantes mercados consumidores o Japão, Dubai, China e Índia.
A Petruz Fruity, empresa paraense há 35 anos no
mercado e que exporta açaí para 25 países também possui uma unidade em
Maracanaú, região Metropolitana de Fortaleza. Nesta, não é feito o
processamento da polpa do açaí, apenas a distribuição para os demais estados do
Nordeste. “E a demanda é crescente”, afirma o coordenador de marketing, Rafael
Lima.
Agricultura sustentável O açaí cresce,
principalmente, em áreas de várzeas, próximas a rios e igarapés. E apesar da
maior parte do açaí produzido no Brasil ser oriundo de plantações originais,
atualmente, 15% da produção no Pará já vem de áreas plantadas em terra firme,
de forma irrigada, segundo a Embrapa. A prática é estimulada pela instituição
para evitar o desabastecimento do mercado em entressafra. Contrariando as
condições naturais, no Ceará, também têm agricultores apostando neste nicho.
Já existem experiências de cultivo irrigado do açaí
em Paraipaba e em Tianguá. O agricultor Francisco Holanda Macedo, 65, é um
deles. Há seis anos, ele destina dois dos 40 hectares de plantação de frutas
que tem em Tiangá para o cultivo do açaí. O açaizeiro fica na parte mais baixa
do terreno e precisa constantemente ser irrigado. Está satisfeito com o
resultado. Produz em torno de 300 a 500 kg de açaí por semana e diz que não dá
para quem quer. “O que tirar, vende”.
IRNA CAVALCANTE
Fonte: O Povo