Após 336 dias de ser alvo
de um processo por quebra de decoro parlamentar, o plenário da Câmara cassou o
mandato do deputado afastado e ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
por 450 votos a favor, 10 contra e nove abstenções. Intitulando-se responsável
por ter coragem de levar adiante o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff em dezembro passado, Cunha não resistiu a seu esvaziamento político
desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinara, de forma inédita em
maio, o afastamento do parlamentar das suas funções sob a acusação de usar o
cargo para obstruir investigações contra ele.
Prestes a completar 58
anos – no dia 29 de setembro –, Cunha torna-se o primeiro presidente da Câmara
a perder o mandato no comando da Casa quando foi alvo da representação da Rede
e do Psol. As duas legendas acusaram-no de quebrar o decoro parlamentar ao
mentir que não possuía contas secretas na Suíça, durante depoimento à CPI da
Petrobras, em março do ano passado. “Não tenho qualquer tipo de conta em
qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de
Renda”, disse o peemedebista no colegiado.
Sem o mandato de
deputado, Cunha vira ficha-suja e ficará inelegível a até pelo menos fevereiro
de 2027, quando terá 68 anos. Também perderá direito ao foro privilegiado e
provavelmente parte das investigações contra ele que correm no STF deverá ser
encaminhada ao juiz Sérgio Moro, responsável na primeira instância na Operação
Lava Jato. Moro já investiga a mulher dele, Cláudia Cruz, e a filha dele
Danielle.
Embargo. Após um processo
marcado por manobras regimentais desde a abertura do processo, em novembro
passado, Cunha foi julgado sem sobressaltos. Mesmo em meio às eleições
municipais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), conseguiu garantir
um quórum superior a 400 deputados para votar o processo. Ao todo, 469 dos 513
deputados votaram. A Casa rejeitou na sessão de hoje recursos que tentavam
abrandar a pena ou até suspender a votação final.
A sessão de votação do
processo contra Cunha em plenário durou cerca de quatro horas e foi marcada por
discursos inflamados de parte a parte. O ex-presidente da Câmara chegou à Casa
às 20h45 e preferiu fazer um discurso de cerca de 30 minutos no qual afirmou
ter sido vítima de uma retaliação por ter admitido o impeachment de Dilma.
“É vingança. Alguém tem
alguma dúvida de que, se não fosse a minha atuação, não teria processo de
impeachment? Essa é a bronca do PT e seus assemelhados, asseclas”, disse ele,
ao defender que sua cassação vai servir de “troféu” para aqueles que defendem
que o processo contra a ex-presidente foi um “golpe”.
Mesmo tendo se queixado
nos últimos dias nos bastidores de ter sido abandonado pelo Palácio do
Planalto, Cunha não fez nenhum menção direta ao atual presidente e aliado,
Michel Temer, que assumiu o poder com a queda de Dilma. Insinuou, no entanto,
que foi retirado da presidência da Câmara para não ficar na linha sucessória do
comando do País.
O peemedebista não poupou
críticas à Operação Lava Jato por considerar ter recebido um “tratamento
diferenciado” dos demais parlamentares nas investigações. E, em tom de ameaça,
insinuou que o destino dos mais de 160 deputados que respondem a inquéritos no
STF poderia ser igual ao seu. “Amanhã é contra vocês!”, apontou.
Cunha embargou a voz em
pelo menos três momentos do discurso. Num deles, quando mencionou que essa
poderia ser a última vez que falava da tribuna da Casa. Foi vaiado durante seu
pronunciamento, principalmente por deputados petistas. Acostumado a ter um séquito
de aliados, ele contou com apenas um intransigente defensor, o deputado Carlos
Marun (PMDB-MS), único a apresentar recursos para tentar, por exemplo, aprovar
uma pena mais branda para ele. “Sei que aqui vai se cometer uma injustiça, mas
eu sei que não serei um desses injustos”, criticou Marun.
Durante todo o dia,
aliados do ex-presidente chegaram a ventilar a ideia de que ele poderia
renunciar ao mandato para tentar adiar a votação. Ele negou as especulações,
mas a intenção chegou a ser levada a Rodrigo Maia por interlocutores na noite
da véspera do julgamento.
Fonte: O Povo