O ciclo Dilma Rousseff acaba nas
próximas 72 horas, se confirmadas as previsões sobre o julgamento no
Senado. À margem das paixões partidárias, seu legado mais visível é o
descontrole das contas públicas com múltiplas consequências — inflação e
desemprego dobraram, e a renda média caiu 16% nos últimos cinco anos.
A duração dessa herança de crise é
imprevisível. Vai depender da habilidade e da competência do futuro
governo. Enquanto isso, o custo da era Dilma continuará comprimindo o
bolso dos brasileiros. A conta de luz, por exemplo, deve subir 5% até 2023 para
cobrir parte do rombo nas contas da empresa estatal Eletrobras.
É o resultado de uma escolha feita por
Dilma, o controle de preços de energia (eletricidade e derivados de petróleo),
combinada com um cálculo de marketing político que deu errado — ela se deixou
seduzir pela ideia fantasiosa da “presidente da conta baixa”.
SUS
TEM DÉFICIT DE R$ 3,5 BI
Dilma reduziu artificialmente o valor
das tarifas de energia. Assinou a Medida Provisória 579, em setembro de 2012,
anunciando um desconto tarifário para consumidores de energia elétrica. Impôs à
Eletrobras um custo adicional de R$ 4 bilhões por ano.
Em maio passado, na véspera do seu
afastamento da Presidência, autorizou a empresa estatal a reverter esse
desconto e cobrar uma “indenização” dos consumidores.
Assim, a Eletrobras ganhou uma receita
anual extra estimada em R$ 6 bilhões durante os próximos oito anos. A manobra,
mantida pelo presidente interino, Michel Temer, ajudou-lhe a compor o lucro (R$
12 bilhões) anunciado há dez dias.
A fatura por decisões impulsivas,
características da administração Dilma, continuará a ser cobrada em diferentes
áreas.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é outro
caso exemplar: acumulou um déficit de R$ 3,5 bilhões no custeio e na ampliação
de serviços em todo o país.
Com olhos na reeleição, o governo
mobilizou prefeitos e governadores nos 15 maiores colégios eleitorais e
multiplicou o volume de contratos de serviços de Saúde Pública. Não cumpriu a
maioria.
A União segue devedora de
contrapartidas financeiras em mais de 2,6 mil serviços do SUS. Entre 2010 e
2015, as prefeituras deixaram de receber R$ 1,9 bilhão por ano. Com os estados,
a dívida acumulada foi de R$ 1,2 bilhão anual.
Isso levou a situações insólitas: o
país imerso em desastres sanitários, como a tripla epidemia (dengue, zika e
chikungunha), conserva fechadas 140 unidades de Saúde recém-construídas. Outras
99 foram inauguradas, mas funcionam precariamente, porque dependem do fluxo
irregular de recursos federais para manter serviços contratados.
A percepção coletiva sobre a crise na
Saúde recrudesceu nas pesquisas de opinião no último semestre. O problema é
crônico, mas agora reflete também o desalento de uma etapa de desemprego
recorde, na qual parte dos 11,5 milhões de desempregados perdeu acesso aos
planos de saúde privados.
Em 19 capitais, do Rio Grande do Sul
ao Amapá, segundo o Ibope, ampla maioria de eleitores acha que esse voltou a
ser o principal problema nacional. Atribuem ênfase até 30 pontos percentuais
acima da segunda maior aflição coletiva, a Segurança Pública, em cidades como
Rio e São Paulo.
O efeito cascata de algumas decisões
de Dilma sobre as contas das prefeituras ultrapassa a fronteira crítica da
Saúde. Ela decidiu, de forma unilateral, privilegiar grupos empresariais com
reduções tributárias (impostos sobre a renda e sobre produtos
industrializados), fez cortes nos repasses a municípios e deu calote em
compromissos assinados.
Resultou numa dívida de R$ 40 bilhões
da União com municípios. Das 5,6 mil prefeituras, 80% dependem do repasse de
recursos federais para pagar as contas, inclusive a folha de salários. A
Confederação Nacional dos Municípios informa que há um ano pelo menos 600
prefeitos vêm pagando salários de funcionários com três a seis meses de atraso.
Dilma acelerou gastos em convênios com
estados e prefeituras à medida que avançava o processo de impeachment.
governo multiplicou compromissos
financeiros com obras, projetos e serviços de transportes urbanos no primeiro
semestre.
O valor dos acordos assinados até a
sexta-feira 15 de abril, 48 horas antes da votação na Câmara que decidiu pelo
seu afastamento da Presidência, é 77 vezes maior do que o governo federal tem
para gastar no Orçamento deste ano, sob a rubrica “Mobilidade urbana”.
Esse artifício foi repetido em outros
contratos, para obras, projetos e serviços de saneamento, urbanização e
habitação.
O legado de Dilma continuará presente
na vida e nos bolsos dos brasileiros. Pela tradição, em pouco tempo será
debitado na conta política do sucessor.
Fonte: Ceará Agora