Mensagens pichadas em
muros da Capital advertem para punições em caso de assalto aos moradores de
comunidades. Ameaças são atribuídas a facções criminosas e traficantes. SSPDS
diz que autorias são investigadas Considerados os crimes que mais influenciam na sensação
de segurança, as estatísticas de roubo apresentam altas consecutivas há dez
meses no Ceará. Nesse cenário, mensagens com suposta autoria de facções
criminosas, proibindo roubos, foram disseminadas em várias regiões de
Fortaleza. Os chamados “avisos” do tráfico, de autoria e veracidade
desconhecidas, estabelecem uma justiça paralela e são recebidos com
estranhamento e até aprovação dos moradores.
Enquanto a Secretaria da Segurança Pública e Defesa
Social (SSPDS) afirma que a situação está sendo investigada, pessoas que vivem
em locais demarcados como parte de territórios para o tráfico de drogas
testemunham a ação de criminosos, que acabam por assumir o papel que cabe ao
Estado. O POVO visitou alguns dos pontos onde os avisos estariam vigorando e
ouviu moradores. Alguns se recusam a falar sobre o assunto, por desconhecimento
ou medo de represálias. Outros, sem se identificar, confirmam a existência de
um “policiamento” do crime.
“É verdade. Aqui, os avisos foram colocados por
eles mesmos. Digo porque picharam um no muro da minha casa. Na semana passada,
assaltaram um mulher mesmo em frente à pichação. Um dos meninos do bairro viu e
alertou os traficantes. Ligeiro eles trouxeram as coisas dela de volta”,
detalhou uma dona de casa, de 23 anos, que vive na comunidade Parque Albano, no
Mondubim.
O assaltante que teria tomado a bolsa da vítima,
conta a mulher, mandaram soltar. “O traficante mandou dizer que queria pegar
ele com as próprias mãos pra cumprir o aviso”, recorda. O texto da ameaça no
muro detalha que “se roubar cidadão na favela vai morrer”. Mensagens
semelhantes existem em bairros como Pirambu, Genibaú, Papicu, Messejana,
Sapiranga, Jangurussu e Barroso. Neste último, as ameaças chegaram a ser
demonstradas em vídeo.
Em imagens compartilhadas nas redes sociais, na semana
passada, um jovem foi agredido a pauladas por suspeitos que diziam fazer parte
do “Crime do Barroso”. Eles acusavam o jovem de ter roubado e agredido uma
mulher, numa parada de ônibus, na Comunidade da Babilônia. “Ele andou roubando
aqui nas áreas. Roubou uma cidadona (sic) e deu uma pisa nela. Aqui é o certo
pelo certo!”, diz.
Domínio
No bairro Presidente Kennedy, na
esquina entre a avenida Sargento Hermínio e rua São Damião, o alerta diz que o
roubo será “punido” à altura. Segundo moradores, a mensagem surtiu efeito.
“Diminuiu muito os assaltos aqui. A parada de ônibus mais perto era o ‘point’
dos assaltos. Tinha roubo manhã, tarde e noite. Hoje é difícil”, comenta um
funcionário público, de 42 anos.
“Pra falar a verdade, eu acho que cada um tem que
se cuidar. Não é só aqui, mas em qualquer lugar”, disse uma professora de 52
anos. “Eu não me confio nisso. Temos que nos precaver de todas as formas”,
completa uma aposentada de 64 anos.
Procurado pelo O
POVO, o secretário-adjunto da SSPDS, coronel Lauro Prado, diz haver
“oportunismo” por trás de algumas mensagens. Ele destaca, porém, que os casos
comunicados à Polícia são investigados, ainda que de maneira preliminar. Prado
não soube dizer, contudo, se a autoria de alguma das mensagens foi
identificada. “Acredito que seja algum modismo, até porque as mensagens não são
direcionadas a ninguém em específico. Além disso, os roubos continuam
ocorrendo”, defende.
Ameaça de punição
No bairro Presidente Kennedy, o “aviso
do crime” está na rua São Damião, quase na esquina da avenida Sargento Hermínio
Saiba mais
Os “avisos do crime” são semelhantes às
pacificações entre facções rivais, em prol do tráfico de drogas, que se
espraiaram por Fortaleza e foram denunciadas pelo O POVO no início do ano. O
objetivo seria acabar com os homicídios, evitando a presença da Polícia nesses
locais, para que o tráfico não fosse comprometido. O mesmo estaria ocorrendo
agora com os casos de roubo, num possível desdobramento dos acordos. O objetivo
também inclui uma “legitimação” das facções perante os moradores.
Em abril, dez membros de organizações criminosas
que haviam instaurado uma trégua na guerra pelo tráfico, no Vicente Pinzon, em
Fortaleza, foram presos durante a operação Vera Pax, do Ministério Público do
Ceará (MPCE).
Algumas pichações encontradas pelo O POVO fazem
referência às facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC), de São
Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. Na semana passada, cartazes
semelhantes foram espalhados em comunidades de São Gonçalo, município
fluminense. Conforme reportagem da BBC Brasil, as mensagens atribuídas ao CV
alertam que “quem for pego roubando será punido severamente”.
Os dados mais recentes da SSPDS sobre Crimes Violentos
contra o Patrimônio (CVPs), que incluem casos de roubo, exceto latrocínio, são
referentes ao mês de junho, quando as ocorrências aumentaram 14,3% no Ceará e
10% em Fortaleza. Desde julho de 2015, houve 67.337 roubos no Ceará. Destes,
3.624 se deram na Capital.
Alertas de proibição aos roubos em comunidades
dominadas pelo tráfico de drogas também ocorrem em outros municípios do Estado,
como Caucaia, Maracanaú e Horizonte.
Fonte: O Povo online