O episódio em que um estudante
da Universidade
Federal do Ceará (UFC)
foi repudiado por universitários por vestir camisa em apoio ao deputado Jair Bolsonaro(PSC-RJ)
gerou debates sobre liberdade de expressão e democracia no ambiente acadêmico.
Especialistas ouvidos pelo Tribuna do Ceará pontuam que a atitude endossa opiniões
anti-democráticas e ultrapassa os limites da própria democracia, mas é preciso
combater a intolerância.
“A democracia é, dos regimes políticos, o menos ruim,
porque apresenta uma liberdade de pensamento na qual quem está na democracia
pode defender ideias contrárias a ela. O que há precisamente na questão do
enfrentamento ao Bolsonaro ou ao que suas ideias representam ou aos seus
defensores, é que ele incorpora a defesa de algo que vai contra os princípios
democráticos”, afirma o sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do
Semiárido (Ufersa), Emanuel Freitas.
Ele pontua que o limite da democracia está em sua própria
defesa, que é ameaçada quando há apoio a regimes ditatoriais que suprimem a
liberdade de expressão e a expoentes do modelo, como é o caso do apoio de
Bolsonaro ao coronel do Exército e torturador Carlo Alberto Brilhante Ustra.
“O Bolsonaro é um cara que, um dia desses, no Congresso
Nacional, estava defendendo torturador e tortura. Defendendo um cara que
enfiava ratos em vagina de mulher grávida, dizendo que isso é o máximo. Como
alguém defende uma pessoa dessas, dizendo que homossexual tem que morrer, que
tem que matar bandido e não sei mais o que e depois vem exigir tolerância? É
uma situação complicada”, ressalta o cientista político e professor da
Universidade Federal do Ceará (UFC), Clayton Cunha Filho.
O caso envolvendo o apoiador de Bolsonaro aconteceu na tarde da
segunda-feira, 9, no Centro de Humanidades da UFC. Localizado no Benfica, o
campus é reduto de manifestações em defesa das minorias. O confronto aconteceu
quando Jorge Fontenele, estudante de Letras/Italiano, foi cercado e alvo de
ações de repúdio por vestir uma camisa com foto de Bolsonaro e refererência à
sua candidatura à presidência da República em 2018.
Na versão de Fontenele, que também é Policial Civil, ele
foi vítima de agressão somente por estar no campus, vestindo a camisa. Ele diz
ter sido chamado de “babaca” e acusado de “fazer apologia ao crime”. Ele também
relata ter recebido um tapa no rosto.
Segundo estudantes, o rapaz é conhecido no local por ser
defensor de ideais conservadores e, na ocasião, além de estar com a camisa,
havia provocado outros alunos.
Tolerância
O diretor da Faculdade de Direito da UFC e ex-presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB), Cândido Albuquerque, ressalta,
no entanto, que é necessário que haja tolerância no ambiente acadêmico.
“A universidade precisa ser plural, tem de ser um
ambiente de liberdade. Não é possível que as pessoas sejam tolhidas nas suas
manifestações num ambiente acadêmico”, pontua. Ele destaca que a conjuntura
política atual tem influenciado em episódios de intolerância.para o professor Clayton, a
situação se assemelha a estratégias de alas ultraconservadoras norte-americanas
que têm sido reproduzidas no Brasil. “Há um tempo em que era uma
estratégia deliberada de comparecer em locais nos quais eles sabem que são
minoria e que o pensamento deles não é bem visto. Vão para eventos de partidos
de esquerda, sindicatos, e fazem provocações para ver se tiram as pessoas da
paciência. Quando as pessoas perdem a paciência e falam impropérios, elas
geralmente dizem que foram hostilizadas, que não tiveram suas opiniões
respeitadas”, pontua.
“Foi bastante pensada essa sua manifestação para um
campus onde exatamente está, em sua maioria, pessoas que representam o
anti-discurso de Bolsonaro, já sabendo que seria hostilizado”, defende Emanuel
Freitas.
“Como se pode debater com alguém que chega defendendo
tortura na sua frente, que entra no Bosque da Letras, numa região como o
Benfica – que todo mundo sabe que é mais tolerante com a diversidade – e chega
pregando a morte de homossexuais?”, questiona Clayton, em referência a
discursos adotados por Bolsonaro.
Para Emanuel Freitas, é preciso fazer com que as pessoas
entendam que “aquilo que Bolsonaro representa é a derrocada da própria
democracia”. “A democracia não pode comportar no seu interior um discurso que
apregoe o seu fim”, destaca.
Uma nova manifestação, chamada
“Rolezinho do Bolsonaro”, em apoio a Jorge Fontenele, está marcada para a
sexta-feira, 13, no Centro de Humanidades. O estudante afirma que cobrará da
Reitoria da UFC uma posição sobre o fato.
Em nota, a UFC
informou que “o fato está sendo devidamente apurado, tendo em vista que o
ambiente é um espaço plural e democrático que respeita a diversidade de ideais
e opiniões”. A instituição também que incentiva a convivência respeitosa entre
todos os integrantes de sua comunidade, sejam alunos, docentes ou
servidores técnico-administrativos.
Também para a
sexta-feira, foi marcado o ato “Rolazinha da Gratidão” em contrapartida ao
apoio ao deputado federal.
Fonte: Tribuna do Ceará